Home | Publicação | Acudir – estar presente – suportar: A pastoral de emergências como tarefa profundamente diaconal da Igreja

Compartilhe:

Acudir – estar presente – suportar: A pastoral de emergências como tarefa profundamente diaconal da Igreja

22/11/2019

Acudir – estar presente – suportar: A pastoral de emergências como tarefa profundamente diaconal da Igreja

Por Edgar Krumpen (*)

A pastoral de emergência é uma tarefa diaconal, essencialmente orientada para a missão proposta por Cristo de ajudar as pessoas que se encontram numa situação de desespero. É um serviço de disponibilidade, cujo objetivo é manter a acessibilidade à Igreja 24 horas por dia, para casos de extrema emergência – por exemplo depois de um suicídio, de um caso de morte súbita de um bébé recém-nascido ou depois de um acidente de trânsito. A formação para este tipo de pastoral consiste de temas teológicos, espirituais ou práticas. A matéria científica que se deve também estudar é a psicotraumatologia, tendo em vista que as reações dos afetados, por exemplo depois da notícia de um falecimento, devem ser seguidas de maneira competente. A pastoral de emergências completa a missão pastoral da paróquia local e depois repassa a assistência das pessoas a um sistema de atenção duradouro, da qual a paróquia é parte integrante.

1. Introdução

O homem nos olha, perplexo. Um policial acaba de informá-lo que sua esposa e seu filho haviam falecido num acidente de trânsito. Um motorista não havia observado a faixa de prioridade do peão – este havia sobrevivido com ferimentos graves, porém para a mulher e a criança do outro carro, toda ajuda havia chegado demasiadamente tarde.

Três horas depois, nos encontramos frente à porta da residência da família. Já é noite e o homem crê que sua família tenha chegado à casa dos avós. Porém em vez da esperada chamada telefônica de sua mulher, aí estamos nós tocando a campainha e pedindo que nos deixe entrar.

Quando dois policiais de uniforme, acompanhados por um capelão, tocam a campainha de uma casa, trata-se de uma situação indesejável para ninguém. Para as pessoas que nos recebem fica imediatamente claro que algo aconteceu de extraordinário e, para elas, trágico. O mesmo aconteceu a este homem. Nos deixou entrar, contudo, já no corredor, nos perguntou: “Pois, o que aconteceu?”. Então o policial disse aquilo que iria transtornar completamente a vida deste homem, desbaratar-lhe e, por algum tempo, paralisar totalmente sua mente, seus sentimentos e sua capacidade de reação.

Eu mesmo havia estado no local do acidente e tive a ocasião de ver os carros completamente danificados. Com esforços técnicos consideráveis, os bombeiros conseguiram despedaçar os veículos para resgatar os cadáveres e salvar os sobreviventes. Policiais e bombeiros tinham muita dificuldade em afastar os curiosos da área do acidente. Muitos dos curiosos filmavam a ação de resgate e rapidamente o primeiro vídeo já estava disponível na Internet.

A minha tarefa era assistir aos testemunhos do acidente e fazer o rito de bênção dos falecidos. Os bombeiros se juntaram à oração – tal situação afeta algumas vezes até os membros com mais experiência das forças de intervenção.

As impressões e imagens da cena do acidente foram muito importantes para mim enquanto estava com o marido e pai, tentando apoiá-lo. Ele queria saber tudo com precisão. Me perguntou inclusive sobre a cor da jaqueta de sua esposa e a matrícula do carro. Tentava o tempo todo convencer-nos que estávamos equivocados, que os falecidos eram outras pessoas e tudo isso um imenso mal entendido.

Suas perguntas, seu desespero, sua falta de perspectivas, expressada por uma ânsia difícil de apaziguar – tudo isto encontramos constantemente na pastoral de emergências. São reações humanas normais, frente a uma situação totalmente anormal, inesperada e potencialmente traumatizante, na qual alguém faleceu. A pastoral de emergência se preocupa sobretudo com as pessoas que tenham perdido um ou mais familiares e amigos. Trata-se, entre outros, de suicídios ou acidentes de trânsito fatais; de casos de morte inesperada de um recém nascido (Síndrome de Morte Súbita de Lactante) ou de levar notícias de falecimento. Para além disso, dar assistência a testemunhas oculares e de pessoas que (objetiva ou subjetivamente ) se encontrem em situações de perigo é muito importante – por exemplo depois de um ataque a um banco ou depois de um incêndio. Também assistimos a sobreviventes de acidentes massivos – por exemplo, acidentes ferroviários, engavetamento de grande número de veículos em rodovias, acidentes aéreos ou inundações catastróficas.

O serviço da pastoral católica de emergências é um serviço de disponibilidade total, cujo objetivo é de manter a Igreja acessível – 24 horas por dia e 365 dias ao ano – para a polícia, bombeiros e ambulâncias. Trabalhamos com um espírito ecumênico e temos uma colaboração estreita com a Igreja Luterana. Como temos deficiência de pessoal, nem sempre se pode lograr uma acessibilidade permanente.

Contudo, temos colaboradores nos serviços de emergência. As diversas instituições formam suas próprias equipes, que se propõem também estar acessíveis dia e noite – pois também têm carência de pessoal. Portanto, uma pastoral cristã de emergências e os serviços seculares de intervenção em situações de crise mantêm alternadamente os respectivos horários de serviço, para assegurar a acessibilidade desejada. Quando um trabalhador dos serviços de intervenção necessita de um capelão para as pessoas que deve assistir, pode chamá-lo para o seu número de telefone pessoal.

Em casos de intervenções, o médico da ambulância, a polícia ou os bombeiros solicitam a pastoral de emergências; o encarregado alerta esta última por telefone celular ou por rádio. O capelão de emergências acode ao lugar da intervenção, onde o responsável pela intervenção dá uma descrição exata da situação e logo o capelão começa a assistir as vítimas, testemunhas ou familiares. Uma das suas tarefas é acompanhar os policiais que têm a tarefa de levar a notícia de um falecimento. Depois de cumprir esta triste tarefa, os policiais podem retirar-se imediatamente, precisamente porque o capelão permanece, muitas vezes, por várias horas.

2. Reflexões bíblicas

Jesus Cristo ensinou-nos a amar o próximo e a estar ao lados dos mais necessitados. Na parábola do Bom Samaritano (Lc. 10,25-37) Jesus nos indica muito claramente que a atenção ao próximo, que se encontra em necessidade, não deve depender da situação daquele que pode ajudar (o sacerdote e o levita, por exemplo, não ajudaram para não se tornarem impuros do ponto de vista ritual). A única coisa que conta é a situação de quem precisa de ajuda, de quem jaz ferido na rua, assaltado e roubado. Infelizmente e lamentavelmente, a este respeito, as coisas mudaram muito nos dias de hoje – parece que muitos preferem ficar alheios a estas situações de emergência em vez de ajudar – ou então preferem fazer duma tragédia algo de sensacional, pegando no seu smartphone, fazer um vídeo da situação e enviar para a Internet. Este tipo de comportamento chega algumas vezes inclusive a impedir a ação das forças de intervenção.

A atenção ao outro, ao necessitado, em contrapartida, pressupõe uma atitude adequada, que se pode, desde logo aprender. Por vezes basta lançar um olhar renovado sobre Jesus Cristo, o que proporciona uma ajuda fundamental: Ele lavou os pés dos apóstolos (Jo 13,1-11) criando assim os fundamentos de qualquer tipo de diaconia na Igreja. O fato de que Pedro participou assim de Cristo, por Ele lhe ter lavado os pés, demonstra que servindo ao próximo, não apenas agimos no sentido de Cristo, como estamos profundamente vinculados a Ele – e isto é um ato sagrado porque trás a salvação.

Também podemos aprender do Antigo Testamento. Tobite ensina a seu filho Tobias a ética fundamental de viver e lidar moralmente bem com outras pessoas:

“Dê esmolas daquilo que você possui, e não seja mesquinho. Se você vê um pobre, não desvie o rosto e Deus não afastará o seu rosto de você. Que sua esmola seja proporcional aos bens que você possui: se você tem muito, dê muito; se você tem pouco, não tenha re4ceio de dar conforme esse pouco. Assim você estará guardando um tesouro para o dia da necessidade, pois a esmola livra da morte e não deixa cair nas trevas. Quem dá esmola, apresenta uma boa oferta ao Altíssimo”. (Tob 4, 7b-11)1

Claro, nem sempre é fácil observar tudo isto. Porém o fato de que eu levo muito a sério o texto bíblico me ajuda muito a lidar bem com a pastoral de emergências, inclusive nas situações mais difíceis. Em todo caso, Tobias aceita a responsabilidade vinculada com esta ética fundamental. Responde a Tobite que fará tudo o que ele havia pedido (Tob 5,1b).

A exortação de Tobite, “não hesite” é uma expressão de uma atitude profundamente diaconal. Esta atitude contudo, por si mesma, não ajuda a longo prazo, se não estiver ligaga à única e verdadeira fonte de energia da nossa vida – ou seja, a Deus. No livro de Judite lemos um breve versículo: “O Senhor escutou suas orações e olhou para sua aflição”(Jud 4,13). A parte do povo israelita que está na judeia se encontra numa situação de grande perigo. Tomaram conhecimento do que fez o filho de Holofernes, comandante militar ao serviço de Nabucodonosor, a outras nações, e temiam que ele também fosse profanar seus santuários e que iria obrigá-los a reconhecer unicamente a Nabucodonosor como rei e, pior ainda, como deus. Entretanto Holofernes, com tudo isto, poder-lhe-ia ter roubado todo o apoio, segurança e consolo, se a sua fé não estivesse fundamentada em Yahveh. Os israelitas se dirigem, com jejuns e orações a Deus, sendo os seus pedidos atendidos.

Um capelão de emergências necessita precisamente deste apoio, desta segurança e deste consolo. Sem o apoio na oração, sem a confiança de que tudo, finalmente, está nas mãos de Deus, algumas situações se tornam difíceis ou mesmo impossíveis de aguentar. Quando em um espaço de poucas semanas 3 bebês morrem subitamente e o capelão testemunha em cada caso o desespero dos pais e a sua própria incapacidade de fazer algo, entãoo enraizamento na mensagemde Deus éfundamentalmenteimportante para a suaprópria saúde mental.

Não se surpreenderão de que, em tantos e tantos encontros dolorosos, o que me vem à mente sejam as situações de vida presentes no Livro dos Salmos. Tenho feito frequentemente a experiência do Salmo 6,7 com pessoas, cujos filhos haviam falecido: “Estou esgotado de tanto gemer; de noite eu choro na cama, banhando meu leito com lágrimas”,. Seu luto muitas vezes não tem limites.

Capelães são geralmente vistos como pessoas que fazem o bem e através dos quais entra um pouco de paz nos lamentos conturbados. Entretanto o nosso serviço prestado está ligado a casos pontuais, sendo que nós temos a possiblidade de estabelecer como que uma rede à paróquia local e entrega-lhe o caso, a qual passará a cuidar dele mesmo. As pessoas enlutadas precisam, portanto, de um apoio cuidadoso, competente e duradouro da paróquia ou de outro sistema de assistência permanente.

As palavras do Salmo 6 valem, certamente, também para aquele que toma conta destes casos de emergência e que algumas vezes, têm que lutar mesmo para encontrar o ânimo que necessitam, frente à dor imensa ou a uma experiência de violência extrema, como acontece nos casos de homicídio ou assassinato: “Afastai-vos de mim, quando praticais o mal, porque o Senhor atendeu a voz do meu gemido! O Senhor ouviu a minha súplia, o Senhor atendeu a minha oração” (Salmo 6,9-10). As experiências da proximidade de Deus (“Em minha aflição invoquei o Senhor e Ele me respondeu” (Salmo 120,1) ou de seu afastamento (“Por que ficas longe e te escondes no tempo de angústia?” (Salmo 10,1) atravessam, certamente, todo o saltério. Nos Salmos muitos e diversos sentimentos das pessoas e as experiências da vida humana são constantemente interpretadas em função de Deus, se as apresentam a Ele, contestando ou regozijando-se. É precisamente isto que se passa com muitas pessoas que encontramos na pastoral de emergências. Imputam sua situação a Deus e disputam com Ele. Algumas vezes perdem a fé. Para mim são, particularmente intensivos, os encontros com pessoas que blasfemam contra Deus. Isto se expressa também nas censuras contra a Igreja e o Papa. Porém tudo isto é, na maioria dos casos, um sinal do desespero que vivem estas pessoas pelo qual se sentem dominados.

Por esta razão, o capelão de emergências necessita, além de tudo, de uma sólida formação e de uma grande experiência de vida, de uma grande e profunda fé. Porque, finalmente, todos nos encontramos frente às pessoas que choram por seus entes queridos, com as mãos vazias. Neste ponto seria bom recordar rapidamente a Paixão segundo São Lucas: Pouco antes da experiência de Getsêmani, Jesus recorda a seus discípulos como os havia enviado: “Quando eu os enviei sem bolsa, nem alforje, nem sandálias, faltou-vos alguma coisa?” (Lc 22,35). Não podemos dar às pessoas que confiam em nós nada mais do que nós mesmos recebemos de Deus.

Cada um dos que trabalham na pastoral de emergências deve, além do mais, compreender corretamente o que disse São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios: “Quando existe a boa vontade, somos bem aceitos com os recursos que temos; pouco importa o que não temos. Não desejamos que o alívio dos outros seja para vós causa de aflição, mas que haja igualdade” (2Cor 8,12-13). Quem compreende isto pode dirigir seus próprios conhecimentos e suas próprias ações no sentido justo. A única maneira em que posso ajudar de modo duradouro é quando não apenas dou, mas também quando estou disposto a receber.

3. Considerações pastorais

3.1. O começo

Na nossa diocese démos o seguinte título à pastoral de emergência: Acudir – Estar presente – Suportar.

O primeiro aspecto é “acudir”. Acudimos ao sofrimento, às necessidades dos seres humanos. Vamos alí com uma missão – em nome de Cristo, tendo a Cristo como modelo. O fundamento do nosso agir é a nossa fé naquele que sofreu, morreu e ressuscitou por nós. Dele recebemos a força para os nossos compromissos.

O segundo aspecto é “estar presente”. A presença verdadeira, autêntica e perceptível para as pessoas sofridas e desesperadas necessita de muita força. Força, por exemplo, para um certo silêncio, que eu descreveria como “silêncio qualificado”. Tal silêncio tem uma qualidade particular, já que não é a expressão de um desamparo ou de um aperto, mas sim da caridade cristã, de uma atenção pessoal e da consciência de que nem sempre é conveniente falar. A presença se concretiza através do fato de que perguntas podem ter uma resposta. A informação estabiliza as pessoas que se deparam de maneira tão repentina, com a realidade da morte. O princípio que governa este processo é: tudo o que eu fale deve corresponder à verdade. Porém nem tudo que sei deve ser dito. Isto ficou claro no caso do homem a quem tivemos que dar a notícia do falecimento de sua esposa e filho. Respondi a todas as perguntas que me fez, segundo minha consciência e meu melhor conhecimento. Porém não acrescentei, por minha própria iniciativa, quantas feridas – e de que tipo havia sofrido sua esposa, nem em que estado se encontravam os cadáveres.

Estar presente significa também rezar com as pessoas e por elas; por aquelas que geralmente não têm mais palavras; dirigir súplicas a Deus e bendizer os mortos.

Como capelão de emergências tenho que certificar-me que as preocupações, perguntas e necessidades do “cliente” sejam sempre o centro de minha ação assistencial. E isto nos leva ao terceiro aspecto: suportar. Deve-se suportar o silêncio que se segue a uma notícia de morte, os gritos e o pranto e ainda as acusações do esposo/a ou de outros familiares.

Quando acontece um suicídio, um acidente de trânsito fatal ou morte de uma criança, as pessoas atingidas ficam extremamente vulneráveis. O mero fato da morte inesperada de um familiar querido causa uma grave ferida psíquica. Frequentemente as pessoas enlutadas ainda têm que ouvir coisas que magoam profundamente como: “Quem sabe se não teria sido melhor assim? “, “vocês ainda são jovens, ainda podem ter outros filhos” (como se um filho pudesse ser simplesmente substituído), ou ainda “se vocês soubessem quanta coisa já vi na minha vida – já vi bem piores”. Ouvir tais coisas de um membro das forças de intervenção é bastante ruim, mas ouvir isto, dito por um capelão, é algo quase insuportável e inaceitável. Por outro lado, escutar capelães que de verdade falam de outro modo – e o fazem com constância, pode aliviar em certa medida os traumas iniciais.

Muitas questões são colocadas nestes momentos de tragédias familiares: por ex. a questão da teodiceia, ou seja da existência de Deus e da sua falta de intervenção; também a questão de isto ter sido supostamente um castigo de Deus - o fato de terem perdido o seu bébé - é frequentemente levantada.

À pergunta: “por que é que isto aconteceu?” geralmente não temos resposta. A procura de culpados é um tema que quase sempre aparece nestes momentos. Nós encontramos pessoas que são realmente culpadas, mas também há casos daquelas que apenas ficam com o sentimento de culpa.

Um homem acusado pela polícia de ter sido o causador da morte de seu filho, porque há uma série de indícios que mostra isto, e a quem levam peso, não é geralmente objeto de assistência pastoral. Neste caso, a culpa se pode objetivar.

Contudo, há também uma experiência subjetiva da culpabilidade – o sentimento de haver quebrado leis humanas ou normas éticas, ou de não haver correspondido às expectativas – próprias ou de outros. Todos os que trabalham na pastoral de emergências devem, portanto, questionar-se: como me sinto ao pensar que vou assistir a alguém objetivamente culpado? Qual será minha reação quando as pessoas mesmas se dão como culpadas? Em tudo isto é necessária uma clara delimitação das esferas de ação. Um policial faz outros tipos de perguntas. E como capelão não me devo ocupar de questões que têm a ver com a lei ou investigação criminal, mas sim de levar o amor de Cristo às pessoas. Compreender e praticar isto dá clareza e sentido à própria tarefa pastoral.

Também se deve dar tempo a que as pessoas assistidas façam o seu luto nas suas dores e perante as memórias que lhes restam. Saliento aqui algumas experiências negativas, por parte de assistentes religiosos da nossa igreja, em casos de falecimentos: a falta de sensibilidade de ficar mais uns minutos disponíveis nesses momentos em que nececitavam de conforto... ou então ser negada a bênção fúnebre a um bébé por não ser batizado. Devemos, no entanto, admitir o fato de que há desejos subjetivamente compreensíveis, porém objetiva e teologicamente impossíveis de satisfazer, como por exemplo, batizar a uma criança que já está morta há algumas horas. Em tais casos, existe a possibilidade de responder com ritos pastoralmente adequados, como uma bênção adaptada, onde se proporciona às pessoas o sentimento de que sua ânsia, seu desejo por respostas procedentes da fé, foi finalmente tomado a sério.

Nem sempre é sempre fácil, porém é possível aguentar tudo isto – se vejo a pessoa enlutada como meu próximo e ajo como tal. Então, agirei de maneira totalmente diaconal.

3.2. Perspectivas pastorais

A pastoral de emergências está se desenvolvendo cada vez mais na direção de um serviço eclesial especializado; contudo ela é parte de uma larga tradição de assistentes pastorais que, desde o início da Igreja, tem ajudado as pessoas necessitadas. Durante séculos esta tarefa foi dos mosteiros e conventos que eram pontos primários aonde se dirigiam os que necessitavam de ajuda. Atualmente as paróquias ou comunidades de paróquias têm e terão a competência primária na presença pastoral ao lado dos necessitados. A pastoral de emergência continua considerando-se um complemento da

pastoral que tem a competência territorial. No entanto deve-se olhar sincera e objetivamente quanto se pode verdadeiramente realizar em uma paróquia. Por um lado, os âmbitos pastorais em constante aumento representam uma carga crescente de trabalho para as respectivas equipes pastorais, por exemplo com tarefas administrativas. Por outro lado, há uma imprescindível formação especializada no âmbito da psico-traumatologia e do trabalho conjunto da Assistência Psicossocial de Emergência. Tal especialização leva inevitavelmente a uma segmentação deste serviço pastoral de emergências da esfera de responsabilidade da paróquia e requer a intervenção de estruturas profissionais de atendimento. Este desenvolvimento estrutural, deve-se dizer, supõe a necessidade de cooperação com as secretarias paroquiais, cuja competência territorial permanece intacta.

Uma intervenção da pastoral de emergências é fundamentalmente limitada no tempo e geralmente termina em um espaço de 2 ou 3 horas. O capelão de emergência deve estabelecer contato com o pároco do lugar, já que este último deve preocupar-se de todas as formalidades ligasdas aos funerais e da continuidade da assistência aos enlutados. Em alguns casos individuais, o pároco também é chamado a uma intervenção em curso se a situação assim o exigir. Tudo isto supõe, no entanto, uma boa disponibilidade da equipe pastoral local. Devo acrescentar que a este respeito, porém há ainda muito trabalho a fazer.

Além do mais, há um número crescente de pessoas que não têm ou não querem ter contato algum com a paróquia, porque não compartilham da fé cristã ou têm uma filosofia e uma concepção do mundo muito diferente. Quando estas pessoas se encontram em tais dificuldades, que se solicita a intervenção da pastoral de emergências, nós atendemos, é claro, onde for necessário, porém a entrega à paróquia local não é conveniente. Por isso estamos cada vez mais na situação de procuraroutro sistemade atenção constante, e que dê mais confiança nas pessoas.Desde o médico de família até o vizinho, desde o grupo de auto-ajuda dos pais que estão de luto até à linha direta de suicídio, sem esquecer o serviço psiquiátrico especializado que oferece terapias a longo prazo. Na prática há muitos lugares onde alguém pode se dirigir. Finalmente a pergunta que fazemos sempre é: Quem pode te ajudar melhor neste momento? Na maioria dos casos, as pessoas sabem quem as pode assistir da melhor maneira e quanto essa pessoa comparece, podemos ficar tranquilos.

No caso de assistência a pessoas procedentes de outras culturas ou religiões, um sistema funcional de atenção permanente pode ser ainda mais importante do que se forem cristãos ocidentais. Vou dar aqui o exemplo da assistência que temos dado aos pais de um jovem muçulmano turco de 20 anos de idade. O rapaz tinha acabado de regressar do turno noturno de uma fábrica, tinha-se deitado e, por volta do meio dia, seu pai o encontrou morto em sua cama. A polícia, chamada em seguida, confiscou o corpo do falecido e ordenou uma autópsia – coisa impossível de explicar ao grande número de pessoas que choravam a morte do rapaz (um número que havia alcançado mais de 250 pessoas). As dificuldades linguísticas e a falta de conhecimento da legislação alemã criaram vários conflitos e quase tornaram impossível qualquer assistência. Frente a esta situação pensamos em algumas medidas destinadas a fomentar a confiança. Por exemplo, as mulheres da nossa equipe (éramos quatro homens e quatro mulheres) se ocuparam das mulheres turcas e os homens dos homens. Com a ajuda de intérpretes explicamos às pessoas qual era a tarefa da polícia. E demos a todos os presentes a possibilidade de uma breve despedida do falecido cujo corpo já estava colocado no carro fúnebre. Através de tais medidas a tensão baixou, a polícia pode cumprir com sua tarefa e os familiares e amigos puderam, pelo menos parcialmente, ver satisfeito seu legítimo desejo.

Com base nessa experiência e de outras semelhantes, estamos no momento proporcionando a um pequeno grupo de muçulmanos a ajuda inicial necessária para que constituam seu próprio grupo de intervenção em situações de crise. Logo poderemos solicitar-lhes, cada vez que particularidades linguísticas, religiosas ou culturais dificultem a assistência a uma família muçulmana.

Desta intervenção e de outras mais aprendi uma boa lição: só quando ficar claro para mim de que nem sempre sou eu o assistente adequado, nem posso ajudar permanentemente aos que estão sofrendo e apenas os posso confiar à proteção de Deus e às pessoas mais próximas delas, somente assim posso sair bem desta situação e continuar preparado para acudir outras emergências com as forças renovadas.

 

4. Requisitos de serviço na pastoral de emergências

4.1. Perguntas a mim mesmo

A pastoral de emergências é uma tarefa fundamental de qualquer pensamento e atuação diaconal. Além da formação básica em teologia e pastoral, requer uma profunda confrontação com a morte, inclusive e talvez, antes de mais nada, com sua própria mortalidade. Como me sinto ao pensar que algum dia eu também morrerei? O que significa para mim o fato de que jovens, crianças e até mesmo recém-nascidos morram? Que experiências pessoais tenho com a morte, em minha família, em meu círculo de amigos, entre meus colegas de trabalho?

Porém é importante também um olhar crítico a seu próprio sistema de valores. Pessoalmente, como considero os temas: suicídio, a morte de recém-nascidos (bébés), mortes em acidentes de trânsito? Que sinto ao ouvir que uma pessoa

morreu por causa de um motorista sob a influência de droga, que provocou um acidente?

Devo ainda questionar-me se estou em condições de entender o melhor possível as preocupações do meu interlocutor e deixar de lado os meus próprios problemas e preocupações.

Um grande problema que se apresenta aos que participam de meus cursos de formação é a questão de: como reagir às medidas policiais previstas pela legislação, que causam dificuldades à assistência pastoral? Por exemplo, como tratar os pais, cujo filho foi encontrado morto pela manhã, sem que ninguém soubesse a causa de sua morte, pelo que seu corpo é confiscado sem que os pais tivessem ocasião sequer de lhes tocar de novo?

Se me interrogo sobre estas questões e as coloco a mim mesmo com seriedade, é porque já dei passos muito importantes em direção da pastoral de emergências.

4.2. Qualificação especial

Na pastoral de emergências deve-se cumprir uma tarefa diaconal apesar do contexto nada habitual. Somos chamados a estar ao lado de pessoas que enfrentam diretamente a morte ou perigo de morte e que no momento não estão em condições de agir por suas próprias forças. O objetivo de nosso trabalho é, portanto de ajudá-las a recuperar sua capacidade de ação. Isto se pode fazer e com muito sucesso, depois de participar de um programa de formação permanente que, a sua fase fundamental, consiste em 80 horas de curso, colóquios e muitas horas de prática. Na Alemanha este programa de formação permanente é normatizado. Por isto há um nome comum para a matéria científica especial que corresponde tanto à pastoral de emergências como aos programas seculares de intervenção em situações de crise: Assistência psico-social de emergência (em alemão: Psycho-soziale Notfallversorgung – PSNV).

Do ponto de vista científico a pastoral de emergências pertence ao âmbito da teologia pastoral. A ciência social que lhe corresponde é a psico-traumatologia. Esta ciência trata, entre outras coisas, da teoria das reações humanas a ocorrências dolorosas. Tais situações são, a miúde, traumáticas e podem, de acordo com o caso e segundo a apreciação do sujeito, converter-se seja em meras reações ao estresse, que podem desaparecer em algumas semanas, mas também em enfermidades como por exemplo o transtorno por estresse pós-traumático (TEPT). Tal enfermidade somente pode ser tratada por psicólogos ou psicoterapeutas especializados, em casa ou numa clínica.

A Assistência psico-social de emergências é considerada, especialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como intervenção pré-clínica em situações de crise, especialmente como prevenção a transtornos graves (por exemplo PTBS) causados por acontecimentos potencialmente traumáticos. (Conf. Classificação Internacional de Doenças, CID, no. 10).

Como capelão de emergências devo colaborar de maneira competente com a polícia, a ambulância e com os bombeiros. Necessito ainda de conhecimento das possibilidades concretas de intervenção e dos métodos utilizados.

Abaixo alguns temas estudados pelos participantes do curso:

• Bases da PSNV e da Psico-traumatologia

• Direito e administração

• Morte no âmbito doméstico

• Reflexão sobre exemplos de casos concretos

• Ciência da organização

• Como lidar com o próprio estresse

• Estrutura de uma intervenção

• Teologia e espiritualidade da pastoral de emergências

• Modos de lidar com as crianças após a morte de amigos, pais ou familiares

• Ritos de despedida e de luto

• Informações sobre suicídios, assistência aos familiares

• Grande aglomeração de feridos

• Perigos no lugar de intervenção

• Reflexão sobre o papel da pastoral de emergências, conexões biográficas

• Reação frente a morte nos jardins de infância e escolas

• Acidentes de trânsito: Apoio às vítimas

• Particularidades de um acidente ferroviário

• Assistência a pessoas de religiões e culturas não cristãs

• Assistência a pais e familiares após um caso de SMSL (morte de recém-nascido)

• Comunicações e conversações e o contexto da pastoral de emergências

• Levar uma notícia de falecimento

Sacerdotes, diáconos e outros agentes pastorais que atuam na pastoral de emergências estendem, através deste curso, suas aptidões pastorais e adquirem as capacidades necessárias para atuar nas situações particulares que supõem as intervenções. No caso de voluntários que geralmente, mas não sempre, vêm com formação teológica prévia, se recomenda uma vinculação muito estreita com capelães que tenham mais experiência. Porém, neste sentido também há exceções. Em nossos cursos de formação encontramos múltiplos carismas que, com uma boa socialização eclesial e uma sólida formação em Assistência Psicossocial de Emergência, podem ser levadas ao pleno florescimento.

5. Perspectiva

Cada capelão de emergências trabalha dentro de uma rede formada por ofertas de ajuda tanto eclesiais como seculares. Assim, por exemplo, colaboramos com a capelania policial, com a capelania das situações de crise no âmbito escolar, com os psicólogos das escolas públicas, com a rede de prevenção do suicídio, com a Rede Assistencial para os Casos de Traumas, com as ambulâncias e vários outros tipos de assistência. Não devemos esquecer, a este respeito, a capelania dos Bombeiros e das ambulâncias que constituem uma pastoral autônoma em nossa Diocese e cujos capelães provêm do pessoal dos próprios serviços em questão, que conhecem melhor que ninguém os fatores de estresse que afetam seus companheiros.

Eu mesmo vejo cada vez mais a pastoral de emergências como uma boa possibilidade para estar presente, como Igreja, em meio às necessidades deste mundo, quase sempre ao lado de pessoas que já não esperam este tipo de atenção por parte da Igreja. Com isso damos um testemunho muito claro de Cristo servidor num mundo marcado por um crescente relativismo e que mais e mais pessoas se distanciam da Igreja. Seguimos trabalhando para cumprir com a tarefa de Cristo, a de atuar mais próximo de quem se encontra em necessidade.

Àquele homem que nos olhava perplexo, enquanto levávamos a notícia do falecimento de um seu familiar, podémos ajudá-lo a estabilizar os seus sentimentos para que, nesta situação completamente nova, recuperasse sua capacidade de ação. Pôde inclusive encontrar um sentido em tudo isto, a partir da fé no Ressuscitado.

Aqui deixo o meu convite a todos os interessados a integrar este serviço da pastoral de emergências na estrutura da própria diocese a que pertencem, com as possibilidades que haja em cada contexto particular.

 

 

 

 

Krumpen, Edgar. Doutor em Teologia, nascido em 1966, diácono permanente e responsável pela Pastoral de Emergências da Diocese de Augsburgo (Alemanha); bacharelado bilíngue (alemão-francês) 1985, Licenciado em Teologia 1992, formação de agente pastoral e professor de religião 1992-1996. Missão canônica para escolas elementares, secundárias e liceus 1996, defesa da tese de doutorado 1998 (tese no âmbito da teologia prática sobre um tema de liturgia:

A revelação da Vigília Pascal 1951-1955. Reforma litúrgica das paróquias das oito dioceses da Conferência Episcopal de Freising, Hamburgo 1998).

Experiência profissional 1992-2002: pastoral paroquial; capelania universitária (Universidade de Augsburgo e Politécnico de Augsburgo); aulas de religião; conferencista sobre temas teológicos e mestre de cerimónias do Bispo Auxiliar de Augsburgo; ordenação diaconal em 2002.

Atividades profissionais desde 2002: responsável pelas capelanias hospitalares de Augsburgo 2002-2004; membro da equipe de coordenação da Pastoral de Emergências na Diocese de Augsburgo de 2002-2010; diácono na paróquia de Königsbrunn desde 2002; responsável pela Pastoral de Emergência da Diocese de Augsburgo desde 2010.

 

 (*) Artigo originalmente publicado em Diaconia Christi 48/2013 No. 2

1 No texto original o autor utilizou textos bíblicos de acordo com “El libro del Pueblo de Dios” (Tradução argentina). Nesta tradução foi usada a tradução portuguesa da Bíblia de Jerusalém (N.T).

2 Na Alemanha a escassez de sacerdotes e outros fatores levaram à decisão pastoral de juntar as paróquias em agrupamentos chamados “comunidades de paróquias”.

3 Atendimento telefônico de ajuda a possíveis suicidas, tipo “Serviço de Valorização da Vida” (N.T.)