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A “crise” da identidade diaconal, em meio à pandemia

09/07/2020

A “crise” da identidade diaconal, em meio à pandemia

Diácono Miguel Ángel Herrera Parra, Paróquia São Alberto Hurtado de Peñalolén – Santiago, Chile - Referencial Nacional junto ao Centro Internacional del Diaconado, CID.

A pandemia do coronavírus, que tem causado tanta morte e dor, tanta angustia e incertezas a toda a humanidade, também está afetando os diáconos permanentes, que têm visto modificada totalmente suas agendas como servidores de suas paróquias e pastorais especializadas, nas quais se encontram incardinados.

Alguns diáconos, de diferentes países, no meio desta quarentena sanitária obrigatória, inclusive se perguntam: “E agora, que vamos fazer?” Pode a realidade do COVID 19 mudar tão drásticamente a própria identidade e a ação dos diáconos? Ou, pelo contrario, nós os diáconos, devemos “reinventar para servir”, na atualidade, com a ajuda do Espírito Santo, que sopra onde quer e quando quer?

Como diácono permanente, de Santiago de Chile, ordenado à quase dezesseis anos, e como homem casado e pai de três filhas, quero dizer o seguinte: O tríplice múnus segue vigente e nada foi mudado; então nós, os diáconos permanentes, temos que desenvolver o ministério da Palavra, da Liturgia e da Caridade. A frase do Papa Francisco: “Afastem os diáconos do altar”, longe de nos incomodar, como diáconos, nos deve incentivar e desafiar a sermos “Apóstolos nas novas fronteiras da missão” (como assinala o Documento conclusivo de Aparecida, dos Bispos da América Latina e do Caribe, 2007).

Se nos afastarmos do altar, é para nos aproximarmos das pessoas privadas de liberdade, nos cárceres e centros penitenciarios. Se nos afastamos do altar, é para acompanhar as pessoas que têm uma diversidade de identidades sexuais, e a seus país que os apoiam, pelo camino da vida. Se nos afastarmos do altar, é para nos aproximarmos mais das pessoas que não têm crenças religiosas, que vivem suas relações conjugais sem matrimônio civil, nem religioso.

Se nos afastarmos do altar, é para que, através do telefone, do celular, do Facebook, do WhatsApp, do Telegram, do Zoom, do Meet e de otros meios, também possamos nos aproximar mais dos paroquianos, nossos queridos irmãos e irmãs de comunidade, que estão pasando muito mal e que necessitam que nós os animemos e ajudemos, diante das suas angústias, dúvidas e necesidades particulares.

O Deus de Jesus Cristo, que é Amor e Misericórdia, quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade. Estamos colaborando, como diáconos, nesta missão que, como Igreja, nos encarrega o Concílio Vaticano II, de evangelizar e de servir o mundo?

Por que poderia nos doer tanto quando nos comparam com os leigos, “como se fossemos simples leigos”, se temos muitos anos de amor e de compromiso leigo acumulados em nosso coração, e em nossas vidas, tempo em que o Senhor Jesus nos abençoou em nosso matrimônio e familia, para que, nessa bendita vida laica, chegamos a discernir com a ajuda do Espírito Santo, que aspirávamos – se essa era a vontade de Deus – ser ordenados diáconos, por pura graça, só para servir melhor a nossa comunidade?

No meu ponto de vista e pela minha experiencia, o que está em crise não é “a identidade diaconal”, senão as distintas leituras que – inclusive nós, os diáconos – fazemos do diaconado, que, em minha opinião se há produzido, porque já na fase de formação inicial do diaconado permanente, a maior parte dos asuntos teriam relação com o ministerio Litúrgico e com o ministerio da Palavra. A grande falha está em que, aos diáconos  foram apresentados poucos asuntos e experiências pastorais concretas do ministerio da Caridade, para que pudéssemos ser diáconos inseridos (não afastados) no mundo de hoje, que muda a cada instante, em que há novas dores para atender. Porém, só a constatação da falta de formação não basta.

Se nos tenha faltado formação em áreas distintas, agora que somos diáconos temos o dever de criar instâncias de formação para nós e para nossas esposas, e também, para participar ativamente nelas. Assim temos feito na Igreja de Santiago de Chile, onde – no contexto do Vicariato para o Clero – há mais de quatro anos, criamos uma equipe de diáconos que tem ido, a partir de um questionário aplicado aos próprios diáconos e suas esposas, efetuar cursos semestrais, de muito bom nivel académico e pastoral, que nos permitem conhecer e refletir sobre a Doutrina Social da Igreja, sobre a Pastoral Hospitalar, Pastoral Carcerária, Pastoral de Migrantes e Pastoral da Diversidade Sexual. Neste tempo de pandemia, temos trocado os cursos presenciais por cursos online, desde nossas casas, com excelentes resultados.

Neste tempo de quarentena, temos vivido uma especie de “grande retiro integral” em nossas próprias famílias e temos compartilhado, mais que nunca, com cada um dos membros da familia, o que configuramos a Igreja Doméstica. Como poderíamos lamentar não poder fazer outras coisas, fora de casa, se não aproveitamos ao máximo esta oportunidade de fortalecer nossa amada familia, que antes podía se queixar por não lhes dedicarmos mais tempo?

Por que haveríamos de lamentar por não poder vestir nossa túnica, estola, cíngulo e dalmática, se – os diáconos permanentes – temos tido este tempo precioso para constatar que, na familia, é onde, mediante palabras, sinais e testemunhos de amor, nos sentimos felizes, ainda que isso não seja algo importante para outros? Alguns falam da crise do diaconado, porque nestes últimos meses não temos podido usar os paramentos, como fazíamos antes, para servir a nossa comunidade eclesial ou paroquial.

Mas, ainda que não usemos nenhuma estola, túnica, cíngulo, o importante é que seguimos sendo diáconos, que – desnudos perante Deus – queremos ser servidores como Jesus, e asim, dar o melhor de nós a nossas famílias e com elas, a nossas respectivas comunidades. Na medida em que nós, os diáconos, sejamos animados e “provocados” pela realidade do mundo de dor e sofrimento, podemos ir nos transformando em Diáconos, que quando possamos estar no altar, levemos incorporados em nosso minisitério, a dor e o compromiso, as alegrias e as esperanças do povo inteiro. Assim, poderemos oferecer homilías e reflexões mais evangélicas e pertinentes a nossas respectivas realidade sociais e culturais.

Afastamo-nos do altar, para servir os pobres,

Afastamo-nos do altar, para os levar a Cristo,

Para lavar seus pés, para dar-lhes Seu carinho,

Para podermos amar e servir-lhes como Cristo,

Quando nos aproximarmos do altar, carregaremos as culturas, as angústias  de muita gente que sofre, que perdeu a esperança,

Quando nos aproximarmos do altar, não nos perderemos em posturas,

Falaremos do Cristo pobre, que anseia por nossa confiança,

Do Cristo solidário, a uma Igreja solidária,

Que não dorme, nem descansa, até aliviar a dor,

Tradução: Diácono José Carlos Pascoal – Diocese de Jundiaí (SP)

ENAC / CND