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A solidariedade na dor

21/11/2019

Diácono José Carlos Pascoal/CRD Sul 1

Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente. (William Shakespeare)

A solidariedade na dor tem várias facetas. Pode ser um conforto ou pode ser um aumento no sofrimento. Depende do ponto de vista de quem fala e de quem ouve.  

O senhor, nem tão idoso, mas alquebrado, tem dificuldade em subir os degraus do ônibus. O motorista, pacientemente aguarda que o passageiro se acomode antes de dar a partida. Este leva em sua mão direita uma bolinha de borracha, que aperta com os dedos num gesto quase mecânico. Um passageiro puxa conversa: “a bolinha é para exercício da mão?” O outro confirma. Pronto! Deu assunto para uma “solidariedade na dor”. Diz o primeiro: “Eu tenho um problema igual ao seu, nem pensei em usar uma bolinha, mas sofro igual a você.”

Pensei comigo: “como ele sabe a doença que o outro tem?” O “solidário” prossegue: “Preciso ir ao postinho de saúde. Você sabe onde fica? Vou aproveitar e pedir ao médico que me receite também uma bolinha para fisioterapia das minhas mãos”. E assim, continuam a conversar sobre doenças até o ponto final.

As vezes parece que o outro não pode ter um sofrimento maior que o meu. Preciso mostrar que sofro mais, assim consolo o outro. Acontece também numa simples visita ao um enfermo. O visitante precisa dizer algo, e o que lhe ocorre é dizer que já teve um problema parecido, ou alguém de sua família já sofreu dessa doença, que ele compreende a dor que o doente está sofrendo etc.

Comigo aconteceu algo parecido: estava acamado por causa de tuberculose, muito fraco. Uma amiga sentiu a minha ausência e foi me procurar em casa. Minha mãe, pacientemente explicou o que se passava comigo, mas ela nem ouviu direito, entrou rapidamente no quarto se lamentando, que estava arrasada com minha doença e completou: “meu avô morreu disso”. Imagine o que passou na minha cabeça nesse momento. Minha mãe conseguiu retira-la do quarto e voltou para me acalmar: “fica tranquilo, o avô dela morreu de trombose, o seu mal é tuberculose”. E assim, rimos juntos da situação tragicômica proporcionada pela minha amiga.

Num velório ocorre algo parecido. Na tentativa de falar palavras de consolo, alguns (e não são poucos) acabam enumerando o número de mortos recentes na família ou no círculo de amigos. “Sei o que você está sofrendo, acabo de perder meu pai e estou completamente arrasada”, dizia uma amiga ao dar os pêsames à outra. “A dor é insuportável, mas você superará, não será como no meu caso, que não consigo aceitar a morte do meu pai”. Fiquei imaginando que nunca gostaria de ser consolado por essa “amiga”.

As vezes, a “solidariedade na dor” acaba sendo uma carga a mais de constrangimento, de angústia. Por isso, é preciso tomar cuidado. Se não acho palavras para confortar, melhor me calar e chorar junto. Um gesto de carinho, de verdadeira solidariedade, é muito maior que palavras. “Ninguém pode livrar os homens da dor, mas será bendito aquele que fizer renascer neles a coragem para a suportar.” (Selma Lagerlof)