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Amados e chamados por Deus, padres e diáconos

15/08/2020

Amados e chamados por Deus, padres e diáconos

Dom Pedro Brito Guimarães, Arcebispo de Palmas (TO)

“Vocês são preciosos aos meus olhos... eu os amo” (Is 43,4).

Tenho Sede!

“O bispo sabe tudo, deixa passar quase tudo e corrige um pouco” (São João XXIII).

            No Getsêmani, depois da última ceia, Jesus levantou os olhos ao céu e rezou pelos seus discípulos de ontem, de hoje e de sempre, esta oração: “Não fostes vós que me escolhestes; mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes frutos e para que vosso fruto permaneça” (Jo 15,16). É lindo ver Jesus rezando. E mais ainda, saber que ele reza por nós e em nós. As orações de Jesus são as passagens mais bonitas da Bíblia, pois, nos ensinam que, mesmo neste mundo atribulado, é sempre tempo de rezar.

            A pandemia foi um duro golpe e uma prova muito dura para a humanidade. Não estávamos preparados. Ela expôs as nossas vulnerabilidades e nossas falsas seguranças; desorganizou nossas agendas, adiou nossos sonhos e projetos e nos mandou redefinirmos prioridades. Este momento histórico é um grande laboratório para a nossa criatividade. Ainda não temos remédios e nem vacinas para a Covid-19. E os remédios que temos, não produzem efeitos e têm efeitos colaterais. Este tempo se torna tempo de contemplação, de oração e de ação. Não dá para viver como se nada tivesse acontecendo. E só podemos ver o novo despontar se nascermos do alto, do Espírito.

            Não por acaso, a foto que ilustra este nosso texto mostra Jesus Cristo, no centro, como que presidindo nossos sonhos, nossos projetos e nossos desejos de um mundo novo. À nossa frente está a sua cruz, guiando os nossos passos. Maria, a flor da missão, também se faz presente neste nosso cenário. Esta foto é a nossa Teografia, as marcas de Deus em nossas vidas. Olhemos mais para Jesus como uma criança extasiada olha para sua mãe e para seu pai.

            Hoje a nossa principal preocupação é com vocês, padres e diáconos. Por isto, decidimos, o Espírito Santo e nós, fazer estes sete grandes chamamentos para as nossas orações pessoais, interparoquiais e interregionais. A nossa oração é por todos, evidentemente, mas, especialmente, pelos mais jovens e os mais fragilizados. Mais do que em outros tempos, nos dias atuais, a oração se faz necessária. Neste Ano e neste  Mês Vocacionais, caem como bálsamos, massageando as feridas dos nossos corações. Inspirados em Jesus, eu e os membros do Conselho Presbiteral e do Colégio dos Consultores, convidamos vocês, padres e diáconos, a rezarmos juntos, com todos e por todos, esta sua Oração Sacerdotal:

1. “Pai”, “Pai Santo”, “Pai Justo”, “chegou a hora” (Jo 17,1.5.21.24.11.25). Jesus reza ao

Pai. Aliás, nos Evangelhos Jesus fala muitas vezes do Pai. E o Pai somente fala duas vezes e diz a mesma coisa: “Este é o meu Filho amado” (Mt 3,17; 17,5). Aprendi, em família, que a última palavra é do Pai. E a primeira também. O Pai tem sempre uma só palavra. É o Espírito que, em gritos inexprimíveis, nos adota a chamarmos Deus de Pai. Já vivíamos em uma sociedade muito carente da figura paterna. A sua ausência é muito sentida. E o enfraquecimento dessa figura, enfraqueceu todas as relações humanas.

            Nesta sua Oração, Jesus pronuncia sete vezes o nome do Pai. Ao chegar a sua e a nossa hora, o nome sobre o qual devemos invocar é o do Pai. Por isto, entre a Oração Sacerdotal e a Oração do Pai Nosso existem muitas semelhanças. As duas começam com a invocação ao Pai. Em um mundo como este nosso, cuja figura paterna entrou em declínio e eclipsou-se, faz-se necessário voltarmos a ele. Tudo é do Pai. Sem esta paternidade, somos órfãos. O apelativo, com o qual somos mais conhecidos, é padre. Padre quer dizer exatamente pai.

            Todos nós tivemos e temos dificuldades de viver e de lidar com este tempo de pandemia. Talvez nos tenha faltado a figura paterna. Parece que o Pai não viu ou não fez caso dos sofrimentos dos seus filhos. Muitos até se perguntam: “Onde está Deus nesta pandemia?”. Parece que ele não está, mas ele está. Pode até parecer que não, mas o tempo em que vivemos é um tempo propicio para a oração da paternidade, da fecundidade e criatividade. Rezemos pela paternidade e fecundidade pastorais e espirituais de cada um e de todos. Ahora de Jesus é agora. “Tempos difíceis, bons sacerdotes e diáconos!

2. “Pai, chegou a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique” (Jo 17,1). A

oração de Jesus começa com a hora da sua glória. Nossa vida inteira é pascal. Só a podemos entender pela ótica pascal. Jesus, do terreno da sua paixão, nos encaminha ao terreno da sua glória. A missão de Jesus, como a nossa, é manifestar o nome de Deus Pai ao mundo. É que, a paixão de Jesus, se torna a sua compaixão por nós. A glória de Deus é a nossa vida em plenitude. Temos que viver a nossa compaixão como uma grande missão.

            Na montanha, em oração, Jesus chamou os seus discípulos (Mc 3,13-19; Mt 10,1-4; Lc 6,12-16). A lista, com os nomes dos apóstolos, é precedida pela sua compaixão pelo povo, qual “ovelha sem pastor” (Mt 9,36). E Jesus os chamou para expulsar os demônios e curar as doenças e toda sorte de enfermidades (Mt 10,1ss). Esta atitude de Jesus deve ser para nós paradigmática e programática. O nosso mundo é doente, carente de cura e de amor. Na catequese de 5 de agosto, deste ano, o Papa Francisco rezou pela cura do mundo,

diante da pandemia da Covid-19, que “continua causando feridas profundas, desmascarando as nossas vulnerabilidades. Há muitos mortos, muitos doentes, em todos os continentes, e muitas pessoas e famílias vivem um tempo de incertezas, devido a problemas socioeconômicos, que atingem especialmente os mais pobres”.

            Rezemos, como Jesus rezou, para que sejamos capazes de nos compadecer, de curar os corações divididos, os corações feridos e que sejamos capazes da condivisão, de acreditar na partilha. Rezemos para que Jesus nos dê corações de “homens de compaixão”. “Tempos difíceis, bons sacerdotes e diáconos!

3. (...) “Para que o Filho conceda a vida eterna a todos os que lhe deste” (Jo 17, 2). A vida

humana, aqui na terra, está correndo sério risco e perigo. Uma coisa, porém, é certa: esta pandemia nos levou de volta à vida: mexeu no ninho e nas feridas da vida, nas desigualdades da vida, nas fragilidades da vida, na dignidade e na sacralidade da vida, no sentido da vida. A morte está passando por perto de nós. Está sobrevoando os nossos territórios, geográficos e existenciais. Contudo, a vida é mais forte do que a morte.

Jesus nos concede a vida eterna. Gostaria muito que as pessoas soubessem, a começar de nós ordenados, que a vida cristã é sempre pascal: da morte o Senhor nos dá vida. E aqui está uma esplêndida definição do cristão e do sacerdócio ministerial. O cristão é aquele que conhece o Pai, por meio de Jesus, na sua paixão-morte-ressurreição, e reconhece Jesus, por meio do Pai. “Tempos difíceis, bons sacerdotes e diáconos!

4. “Pai Santo, guarda-os em teu nome os que me deste, para que eles sejam um, como nós

somos um” (Jo 17,11.21.22). Jesus reza para sermos fecundos na unidade. Mais do que em outros tempos, aprendemos que tudo está interligado. Jesus reza para que todos sejam um. Para que sejamos consumados na unidade. Tudo o que se faz juntos fica bom e bonito. Não um, mas juntos; não parte, mas todos; não quem tem mais para si, mas quem tem mais para compartilhar. Assim não seremos mais fracos, porém mais fortes; não poucos, mas muitos. Deixemos de lado tudo o que é nocivo à comunhão, que corrói a unidade e que provoca divisão. Sejamos todos avessos à rebeldia. A união é estreitamento de laços. Esta união só é possível no amor com o qual Jesus nos amou. Rezemos, como Jesus rezou, para que ele nos dê a graça do cuidado de uns para com os outros. A vida é uma verdadeira textura e tessitura. E o fio que tudo une é chamado de unidade. “Tempos difíceis, bons sacerdotes e diáconos!

5. “Eu me santifico por eles, a fim de que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,19). Jesus reza pela nossa santificação na verdade. A oração sacerdotal de Jesus aponta mais para o presente e o futuro do que para o passado. Costumamos dizer que somos um presbitério formado, na maioria, por padres novos. Louvado seja Deus! No entanto, juventude, necessariamente, não é sinônimo de imaturidade, não significa carência e nem fraqueza. A juventude é tempo de energia, de criatividade, de heroísmo, de idealismo, de vida saudável, de espírito de doação, de vitalidade e de fecundidade. Dias virão em que iremos reclamar porque somos “padres velhos”. E vamos achar que velho não possui a mesma vitalidade da juventude. Reproduzamos aqui o que disse São João: “jovens, sois fortes, a Palavra de Deus permanece em vós e já vencestes o Maligno” (1Jo 2,14). Continuemos assim, na juventude ou na velhice, fazendo a beleza de nossa Igreja, na diversidade de carismas e ministérios. O que precisamos é rezar para que Jesus nos ajude a ajustar as nossas expectativas aos sonhos e ideais que Ele tem para cada um de nós. Rezemos também, como Jesus rezou, para obtermos o espírito da santidade na verdade. “Tempos difíceis, bons sacerdotes e diáconos!

6. Pai, eu quero que os que me deste estejam comigo, onde eu estou, para que contemplem a minha glória” (Jo 17,24). Jesus reza para permanecermos com ele. A base teológica sobre a qual se assenta o nosso ministério é nossa comunhão com Jesus e com o seu Pai, na força do Espírito. Sem perceber, passamos a ser uma Igreja multimídia. A transmissão da nossa fé pelas redes sociais faz parte do cotidiano da nossa vida pastoral. As redes socais, com todas as ambiguidades que se revelam, vieram para ficar. O que pareceu emergência, de repente, passou a fazer parte do cotidiano. Hoje passamos mais tempos no mundo digital do que no mundo presencial. Virtual não é o mesmo que distante, desligado e indiferente à dor do outro. A fé supera o tempo e o espaço. A fé como o som e a luz, corre veloz e transpõe barreiras. A fé se alimenta da partilha. Podemos ter pouco, mas isto não nos dá o direito de não compartilhar com quem tem menos do que nós. Pela fé multiplicamos, pois, a fé é o elemento multiplicador. “Quanto mais se reparte, mais se tem” (Santa Teresa de Calcutá). “Tempos difíceis, bons sacerdotes e diáconos!

7. “Eu lhes dei a conhecer o teu nome e o darei a conhecer, para que o amor com que me

amaste esteja neles, e eu mesmo esteja neles” (Jo 17,26). Jesus reza para que conheçamos o seu nome. O amor é o distintivo de Jesus, do cristão, do sacerdote, do diácono. Amar é a nossa verdadeira diaconia. A melhor tradução do nome de Jesus é Amor. O que mais desejamos é que as pessoas mesmas se encontrem com Jesus. Mas também sabemos que o conhecimento dele virá pela formação, pela pregação, pela celebração e também pelo nosso testemunho. Jesus nos chama, reza por nós e nos envia em missão, pelo mundo, o nosso mundo, do jeito que ele hoje se encontra. Rezemos, como Jesus rezou para que o conhecimento dele cure todas as nossas debilidades, dubiedades e incertezas. “Tempos difíceis, bons sacerdotes e diáconos!

            Nossa Igreja precisa urgentemente, neste tempo de pandemia, de paternidade, de fecundidade e de criatividade espirituais e pastorais. Para tanto precisamos revitalizar e fortalecer nossas mentes para o comando no direcionamento correto, fincar os nossos pés na caminhada com Jesus, adestrar as nossas mãos para a partilha e firmar o nosso coração para o amor maior, sem limite. Que nossos braços cansados ganhem asas, nossas desilusões se transformem em sonhos, nossas dificuldades se tornem oportunidades para crescer na fé. Somente assim, nossas doenças poderão ser curadas e nossa fome e nossa sede de paz e de amor saciadas nos banquetes da vida e da missão.

            Como dissemos, a nossa maior preocupação hoje são vocês. Por isto, queremos agradecer todos os esforços e toda a coragem que demonstram em cuidar do rebanho, particularmente nestes seis meses de confinamento, não deixando as ovelhas se dispersarem, nem na falta do alimento material e espiritual. Cada um de vocês, a seu modo, cuidou do rebanho para que não faltasse o pão da Palavra, da Eucaristia e da Caridade para as ovelhas. Cada um inventou e reinventou um modo de chegar às pessoas. Queremos, portanto, agradecer a Deus pela paternidade, pela fecundidade e pela criatividade de vocês.

            Pedimos a vocês, neste tempo excepcional, o que Paulo pediu no seu discurso de despedida aos anciãos de Mileto: “Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos estabeleceu guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele adquiriu com o seu sangue” (At 20,28). Quando o pastor vai bem, cuida bem da

saúde das ovelhas. Muitos irmãos nossos, nas condições de bispos, padres e diáconos, estão morrendo, contaminados e ceifados na missão. Mas também muitos leigos, parentes ou não, conhecidos ou anônimos, que colaboraram em nossas igrejas, também perderam suas vidas. “Não são números, são vidas perdidas!” A eles, as nossas orações.

            A situação que nós vivemos, sem dúvida, é difícil para todos. O vírus não selecionou e nem distinguiu pobres nem ricos, raça nem condição social e cultural. No entanto, matou mais quem vivia junto às vulnerabilidades sociais. Aos poucos, fomos percebendo que a sociedade descobriu, pelas forças da dor ou do amor, a necessidade da solidariedade. A pandemia passará, mas a fé permanecerá. Vamos conquistando cada dia mais o valor da fraternidade sacerdotal e diaconal.

Com os olhos da fé, os corações da caridade e os cintos da verdade, para estes tempos de pandemia e de pós-pandemia, sugerimos a contemplação destas três alegorias:

1. Na dimensão espiritual-pastoral da paternidade, a alegoria da casa: sejamos como a casa que acolhe, abriga e protege, que aproxima e distância, cujas portas e janelas são abertas e fechadas, quando se fizerem necessários: “Eis que estou a porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entrarei em sua casa e tomarei refeição com ele, e ele comigo” (Ap 3,20).

2. Na dimensão espiritual-pastoral da fecundidade, a alegoria da semente: sejamos como a semente, que lançada na terra, nasce, cresce e amadurece, dá flores, frutos, sombra e abrigo aos passarinhos, que morre para gerar vida: “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto” (Jo 12,24b).

3. Na dimensão espiritual-pastoral da criatividade, a alegoria do barco: sejamos como o barco que parte e chega, se móvel, navega e atraca, transporta, carrega e descarrega, liga uma margem à outra, enfrenta as tempestades, acalmadas por Jesus: “Jesus mandou os discípulos entrarem na barca e seguissem à frente, para o outro lado do mar” (Mt 14,22).

Peçamos a Nossa Senhora da Saúde para nós, pastores e ovelhas, saúde de corpo e de alma, da mente e do coração, a fim de que possamos, em uníssono, dizer: “corporalmente estamos bem, e espiritualmente ainda precisamos melhorar mais”.

E, para finalizar, rezemos juntos a Oração de São Paulo VI, ao Espírito Santo: Ó Espírito Santo, dai-me um coração grande, aberto à vossa silenciosa e forte palavra inspiradora, fechado a todas as ambições mesquinhas, alheio a qualquer desprezível competição humana, compenetrado do sentido da santa Igreja! Um coração grande, desejoso de se tornar semelhante ao coração do Senhor Jesus! Um coração grande e forte

para amar todos, para servir a todos, para sofrer por todos! Um coração grande e forte para superar todas as provações, todo tédio, todo cansaço, toda desilusão, toda ofensa! Um coração grande e forte, constante até o sacrifício, quando for necessário! Um coração cuja felicidade é palpitar com o coração de Cristo e cumprir humilde, fiel e virilmente, a vontade do Pai. Amém.

Dom Pedro Brito Guimarães, Arcebispo de Palmas

Pelo Colégio dos Consultores e pelo Conselho Presbiteral

Palmas, 15 de agosto de 2020 - Festa da Assunção de Nossa Senhora.