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Amazônia, terra de Missão - um Diácono Indígena

02/10/2019

Amazônia, terra de Missão - um Diácono Indígena

WIJINT, Peru (Reuters) – Logo ao amanhecer, Shainkiam Yampik toca um tambor talhado em um tronco de uma árvore no início de um serviço de oração católica em Wijint, uma aldeia de cabanas com teto de palha no coração da Amazônia peruana.

Shainkiam Yampik Wananch, um diácono ordenado pela Igreja Católica, celebra a liturgia com indígenas Achuar em uma Capela. Sussurrando "Jesusan namanguinde", o "corpo de Cristo" na língua dos indígenas Achuar, Yampik dá o Pão Eucarístico de comunhão aos aldeões na pequena capela em meio de um coro ruidoso de pássaros e insetos do lado de fora.

Um ancião tribal com 10 filhos adultos, Yampik, de 48 anos, é uma figura católica líder em um dos lugares mais retos da Igreja. Devido ser casado, não pode ser sacerdote. É um diácono ordenado, um grau abaixo do Sacramento da Ordem. Isso significa que não pode escutar confissões e, o que é mais importante, não pode celebrar missa, o sacramento chave que os aldeões em Wijint devem passar muitos meses sem, devido à falta de sacerdotes. O pão de comunhão que distribui é consagrado previamente por um sacerdote em outra cidade.

Mas Yampik e outros católicos Achuar dessa vasta região esperam que uma reunião histórica no Vaticano em outubro troque isso. Em 6 de outubro, o Papa Francisco abrirá um Sínodo de três semanas com bispos amazônicos onde um dos temas mais esperados será se é possível permitir que Yampik e outros homens casados sejam ordenados como sacerdotes em partes da Amazônia, uma proposta que seria romper com séculos de tradição católica romana.

A ideia é permitir que homens casados com filhos adultos e uma posição sólida na Igreja - "viri probati" ou homens probos - se unam ao sacerdócio e ajudem a preencher um vazio em suas comunidades. “Eu sinto em meu coração. Quero ser sacerdote”, disse Yampik a Reuters, ele que, como outros Achuar da região, foi convertido por missionários católicos há décadas.

A três dias de viagem desde o povoado mais próximo, com caminhos pavimentados, Wijint é uma das 827 comunidades nativas no Vicariato de Yurimaguas, uma região do tamanho de Panamá, ministrada por somente 25 sacerdotes, disse a Reuters o administrador do vicariato, o reverendo Jesús María Aristin. "É impossível chegar a todos", disse Aristin, recordando uma visita recente a uma aldeia que exigiu uma caminhada de quatro dias através dos pântanos da selva.

Ao menos 85% dos povoados da região não podem celebrar missa todas as semanas, um ritual em que os católicos acreditam que o pão e o vinho da comunhão se transformam no corpo e sangue de Jesus. Yampik é um dos quatro diáconos Achuar casados "viri probati" que serão discutidos para o sacerdócio no Sínodo para a Amazônia, disse Aristin, que participará do mesmo.

CELIBATO OU SACRAMENTO?

O sínodo também discutirá a proteçao da Amazônia depois de um protesto mundial por causa dos incêndios florestais este ano. Mas a proposta "viri probati" poderia ser mais explosiva dentro da Igreja, onde Francisco já está sendo atacado pela ala conservadora. O documento de trabalho do sínodo, classificado de herético por seus críticos, disse que os homens poderiam ser ordenados para o sacerdócio "mesmo que já tenham uma família estável, para ministrar os sacramentos. Os opositores da reforma dizem que se introduzirá uma ladeira escorregadia que levará à abolição do governo da Igreja sobre o celibato sacerdotal, que se tornou obrigatório no século XII, em parte para evitar que os filhos dos sacerdotes herdassem propriedades da Igreja.

A Igreja ensina que ao permanecer celibatário e solteiro, um sacerdote pode dedicar-se por completo a Deus e à Igreja. Mas o requisito limitou os esforços para recrutar sacerdotes para ministrar a todos os seus membros atuais, muito menos expandir-se, em fortalezas tradicionais como a América Latina, onde os cristãos evangélicos estão fazendo incursões.

Os defensores de "Viri probati" também dizem que a Igreja não pode descuidar dos fiéis em lugares como Wijint, um povoado sem eletricidade nem água corrente, onde os Achuar cultivam raízes de mandioca e banana e caçam porcos selvagens nos bosques das cercanias. "O que é mais importante, o celibato ou a Eucaristia, o centro da vida cristã?", disse Aristin.

Há somente quatro décadas, a presença da Igreja nesta região remota estava crescendo, graças ao êxito da missão do sacerdote italiano Luis Bolla na conversão de índios isolados no Peru e Equador. Missionário salesiano, Bolla viveu entre os Achuar durante décadas, adaptando seus costumes e idioma, e deixando um vazio quando morreu em 2013. Hoje, é difícil conseguir que pessoas de fora se instalem nas aldeias Achuar, disse Yampik. “Um sacerdote que não conhecia nossa cultura pode dedicar-se a nós, mas somente por um tempo. Logo disse: Não posso acostumar-me a isto. Não posso aprender o idioma e não posso falar”, confirmou Yampik. “Um sacerdote Achuar seria nosso. Onde iria, a não ser ficar conosco?

PROPOSTAS ATREVIDAS

O Vaticano há permitido algo parecido antes. Alguns sacerdotes anglicanos que lá estaban casados quando se converteram ao catolicismo romano puderam continuar servindo como sacerdotes. Mas não há uma exceção à regra do celibato com o propósito de abordar a escassez de sacerdotes. Porém, é uma disciplina, não um dogma e, portanto, pode ser alterado.

O Sínodo não toma decisões. Somente o Papa pode. Os participantes votarão sobre vários artigos em um documento final, que em seguida irá ao Papa para decidir se se converte em una Exortação Apostólica oficial. O Reverendo Aristin disse que tem a esperança de que Francisco relaxaria a regra do celibato para os Achuar. Recordou a emoção de Francisco quando o Papa se encontrou com Yampik e outros "viri probati" locais em sua visita de 2018 a Peru. "Francisco, que sempre é um pouco travesso, me piscou um olho e me disse: 'há algumas propostas atrevidas para o Sínodo'", afirmou Aristin.

A proposta "viri probati" está respaldada por todas as congregações católicas do Vicariato de Yurimaguas. Também levou a pedidos de uma mudança mais ousada, inclusive entre as monjas, que superam em número aos sacerdotes na Amazônia e muitas vezes realizam a maior parte do trabalho missionário em áreas remotas. "As irmãs clamamos pela ordenação sacerdotal dos diáconos Achuar", disse Maruja Escalante, uma monja da Ordem das Missionárias de Maria Imaculada e Catarina de Sena. "Também creio que é importante que uma mulher possa ser sacerdote", completou. O Papa Francisco, porém, disse que a porta de um sacerdócio feminino fora fechada por seu predecessor, o Papa João Paulo II, e que não abriria.

IGREJA COM UMA 'CARA INDÍGENA'

Achuar é uma das últimas tribos amazônicas a ter contato regular com os não nativos e a ter a poligamia e o chamanismo tradicionalmente praticados. Para ganhar convertidos, Bolla infundiu antigos ritos católicos com costumes indígenas, uma tradição que Yampik mantém viva hoje. No serviço de oração que Yampik dirigiu em Wijint, as meninas cantaram cantos ancestrais Achuar para louvar a Virgen María, enquanto os adultos se reuniam ao redor de um fogo aceso com três troncos, um ritual nativo adaptado para simbolizar a Santíssima Trindade.

Esse enfoque multicultural, uma vez considerado vanguardista, hoje é celebrado pela Igreja sob Francisco, que pediu uma Igreja com uma "cara amazônica e indígena". “O padre Bolla teve uma visão especial. Ele disse que, 'a evangelização aqui deve acontecer sem alterar sua cultura'", disse o reverendo Vicente Santilli, chefe da Casa Salesiana na capital peruana, Lima.

Yampik, que igual ao padre Bolla desenha uma cruz na testa com a tinta vermelha no rosto dos de Achuar, disse acreditar que se "viri probati" se converter em sacerdote, aproximaria sua tribo à Igreja. "Los Achuar também estão pregrando a palavra de Deus", disse. "Queremos ser reconhecidos, porque aqui neste rincão da Amazônia não nos sentimos reconhecidos".

Reportagem de Maria Cervantes; Informe adicional de Philip Pullella em Roma; Escrito por Mitra; Edição de Adam Jourdan e Lisa Shumaker

Reuters.com