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BATISMO: busca e aspectos essenciais

01/11/2008

Diácono Juranir Rossatti Machado

"A população do Brasil é uma população, na sua quase totalidade, de batizados." É o que nos assegurou, anos atrás, o Episcopado Nacional, em suas orientações acerca da Pastoral do Batismo, aprovadas na XIII Assembléia da CNBB. Imediatamente, após a informação, uma pergunta nos é apresentada: "Quais as razões que levaram o povo brasileiro a ser um povo de batizados?". Mais adiante, o Episcopado Nacional enfatiza alguns aspectos essenciais do Sacramento do Batismo. De modo sucinto, vamos lançar um olhar sobre estes assuntos, pois eles continuam muito atuais.

Dentro de nossa prática religiosa, são múltiplas as razões por que conduzimos as crianças ao Sacramento do Batismo. Entre nós, ao lado de motivos de natureza teológica, existem, ainda, motivações supersticiosas, de cunho social e até de ordem econômica. Entre as primeiras, encontramos idéias relacionadas à necessidade de batismo para a salvação e para apagar o pecado original. Há também aquelas que se referem ao batismo como meio para se tornar filho de Deus e para se tornar membro da Igreja. Dentro dos argumentos de cunho supersticioso, perambulam crendices a respeito de doença e saúde. Através do batismo, curar-se-ia alguma doença. Neste campo, minado pelas superstições, existem as exigências impostas por religiões ou culturas populares. Por exemplo, não são poucos os adeptos de movimento religioso afro-brasileiro que vêem no batismo cristão, especialmente no contexto católico, um trabalho a ser satisfeito. Trata-se de um sincretismo religioso, com raízes profundas na história da escravidão negra, em solo brasileiro. Em muitos pais, a decisão de batizar os filhos tem o peso da tradição familiar. Diga-se, de passagem, uma tradição sem compromisso, normalmente, com a promoção integral do homem. Por este Brasil afora, a busca de amparo material, vindo dos padrinhos, é motivo apresentado por significativo número de pais, por ocasião do batismo de seus filhos e escolha de padrinhos. É o predomínio da razão de ordem econômica.

Há razões válidas e falsas. Precisamos acolher as primeiras; rejeitar as outras. Em momento algum, nenhuma atitude de rejeição de razões falsas deve significar rejeição das pessoas que as apresentam. Cada pessoa é merecedora de respeito e acolhimento. Nem sempre existe culpa pessoal na apresentação de razões, que, aos olhos da Igreja, são equivocadas ou sem fundamento bíblico-teológico. As pessoas sofrem forte influência da cultura, do processo de educação, dos meios de comunicação e de tantos outros fatores. Valorizando sempre o homem, acolhendo-o em seus pontos de vista e em suas próprias limitações, é preciso empenhar-se no discernimento de suas motivações. O que há por trás de sua maneira de pensar? O que o leva a agir desta ou daquela maneira? O que há por trás de suas palavras? É preciso acreditar que o diálogo acolhedor, marcado acentuadamente pela caridade, pode conduzir o homem a uma revisão de vida e ao processo de conversão.

Não nos esqueçamos de que as razões válidas, as que trazem conotações de natureza teológica, acentuam consideráveis aspectos, que devem ser sempre lembrados. Deles, desejamos enfocar três, julgados essenciais pelo Episcopado Nacional, nas orientações a que nos referimos. São eles: dimensão de realidade nova na pessoa do batizado, dimensão de relacionamento pessoal com Deus e dimensão comunitária.

Com o batismo, a nossa natureza é marcada, de maneira especial, pela graça divina. Não podemos dizer que continuamos a mesma criatura. Em nós, é posto um caráter (sinal) que jamais se apaga: somos pessoas batizadas. Podemos, sim, não viver os compromissos inerentes ao batismo; porém, jamais poderemos dizer que ele não aconteceu em nossa vida. O batismo nos enxerta em Cristo e esta realidade transforma cada pessoa batizada em nova criatura. Diz-nos São Paulo: "Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho: eis que tudo se fez novo" (II Cor 5, 17). O batismo lança nos batizados a semente da ressurreição. Na água batismal, sepultamos o homem velho e da mesma água ressurge o novo homem. A imagem é bastante simbólica. Mais uma vez, São Paulo: "Fomos sepultados com ele na sua morte pelo batismo, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova" (Rm 6,4).

A partir do primeiro sacramento da iniciação cristã, estabelecemos com Deus um profundo relacionamento pessoal. O batismo é resposta de amor ao chamado divino, para vivermos, em relação a Deus, uma dimensão filial. No Filho, tornamo-nos também filhos. Como se dirigida fosse para nós, podemos assumir a confissão de amor que o Pai dirige ao Filho, quando este, fazendo-se pecador, porque representava a humanidade pecadora, desce às águas do Jordão e lá recebe o batismo pregado pelo seu precursor. Apenas um sinal de conversão e de aceitação do Reino de Deus, que o Messias anunciado iria pregar a todos os homens. Em nosso batismo, por intermédio do Filho e unido a ele, o Pai declara seu amor por nós: "Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição" (Mc 3, 17).

O Sacramento do Batismo nos introduz no Corpo de Cristo, que é a Igreja. Insere-nos na comunidade dos seguidores de Jesus Cristo. É bom retermos estas palavras do Apóstolo: "Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros" (ICor 12, 27). E mais estas: "Ele é cabeça do corpo, da Igreja" (Col 1, 18). Nas orientações que nos inspiram estes breves apontamentos, diz-nos o Episcopado Nacional que "não se pode desvincular batismo e comunidade". Viver fora da comunidade eclesial é trair um aspecto essencial que o batismo assinala em cada um de nós. Dentro da comunidade eclesial, respeitando a diversidade de serviços e talentos, devemos zelar por aquilo que une a todos nós: a implantação do Reino de Deus. E este trabalho, a favor da unidade, que muito enriquece a multiplicidade de ministérios, é realizado através das vias da evangelização.

O batismo, que nos transforma em novas criaturas, que provoca em nós um relacionamento pessoal com Deus e que nos incorpora à Igreja, nos chama para darmos ao mundo exemplos concretos de amor, comunhão e serviço. Não destruamos, em nós mesmos, as expectativas que Deus tem a nosso respeito, a partir do batismo que ele nos concede no Filho, trazendo para nós a força de seu próprio Espírito.

Desde o título até a última palavra do parágrafo anterior, estivemos diante de artigo escrito anteriormente à publicação do Documento de Aparecida, texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada entre nós de 13 a 31 de maio de 2007. Agora, como uma espécie de apêndice, trazemos dele brevíssimas referências acerca do discipulado e missionariedade, objetivando frisar a idéia de que os compromissos batismais referem-se às nossas atitudes em relação á Santíssima Trindade e a todos os homens e mulheres.

A V Conferência considera o batismo o marco inicial do discipulado e da missionariedade. Ela, expressão da Igreja no Continente Latino-Americano e do Caribe, assume "a grande tarefa de proteger e alimentar a fé do povo de Deus" (DAp 10). A missão da Igreja é missão de todos nós, homens e mulheres batizados. Missão que não se desenvolverá sem sacrifícios e sem a exigência de um forte testemunho de fé, em virtude de aspectos que se vislumbram no perfil do período da história em que estamos vivendo, "caracterizado pela desordem generalizada que se propaga por novas turbulências sociais e políticas, pela difusão de uma cultura distante e hostil à tradição cristã e pela emergência de variadas ofertas religiosas que tratam de responder, à sua maneira, à sede de Deus que nossos povos manifestam" (DAp 10).

O discipulado e a missionariedade, aspectos com os quais o batismo nos marca, só podem ser vividos profundamente se nos anima a consciência de que os compromissos batismais são compromissos assumidos com Deus uno e trino, porque "somos chamados a viver e a transmitir a comunhão com a Trindade, pois a "evangelização é um chamado à participação da comunhão trinitária" (DAP 157)".

Os compromissos batismais encontram sua manifestação concreta nos atos autênticos de amor, de solidariedade e de justiça. O discipulado e a missionariedade levam-nos a trilhar a estrada da promoção humana, na qual, através das exigências da evangelização, vamos mostrando que Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida. Lembremo-nos de que, em nossa profissão de fé, age na pessoa de Cristo o ministro que nos mergulha nas águas batismais, onde sepultamos o homem velho e delas ressurgimos, para vivermos, em nosso dia-a-dia, a ressurreição. Em outras palavras: é o próprio Cristo quem nos batiza, quem nos reintegra à comunidade trinitária. Ele nos batiza em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, restaurando em nós a comunhão com Deus uno e trino. É somente unidos à comunidade trinitária que construiremos e seremos Igreja. Vale a pena trazer à nossa (re)leitura o parágrafo 155 , do DAp: "Os discípulos de Jesus são chamados a viver em comunhão com o Pai (1Jo 1, 3) e com seu Filho morto e ressuscitado, na "comunhão no Espírito Santo" (1Cor 13, 13). O mistério da Trindade é a fonte, o modelo e a meta do mistério da Igreja: "um povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito", chamados em Cristo "como sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano". O DAp, no parágrafo citado, arremata: "A comunhão dos fiéis e das Igrejas locais do Povo de Deus se sustenta na comunhão com a Trindade".

Impulsionado sempre pela força batismal, o discípulo-missionário deve experimentar em suas atividades de operário da messe de Deus "a necessidade de compartilhar com outros a sua alegria de ser enviado, de ir ao mundo para anunciar Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e tornar realidade o amor e o serviço na pessoa dos mais necessitados, em uma palavra, a construir o Reino de Deus" (DAp 278e). Fora da dinâmica do discipulado e da missionariedade, o batizado não demonstra sua realidade de nova criatura em Jesus Cristo, o relacionamento pessoal com Deus e a sua inserção na comunidade dos remidos pelo sangue do Cordeiro. O batismo deve levar-nos a transformar a nossa vida em constante ponto de "encontro pessoal com Jesus Cristo", como acentua o DAp, em seu parágrafo 226, onde nos adverte que a Igreja precisa reforçar quatro eixos: a experiência religiosa, a vivência comunitária, a formação bíblico-doutrinal e o compromisso missionário de toda a comunidade.

Fechemos, aqui, nosso despretensioso apêndice, com palavras que o DAp nos fornece, citando AG 2: "A Igreja peregrina é missionária por natureza, porque tem sua origem na missão do Filho e do Espírito Santo, segundo o desígnio do Pai" (347). Logo depois da citação conciliar, o DAp, no mesmo parágrafo, enfatiza: "Por isso, o impulso missionário é fruto necessário à vida que a Trindade comunica aos discípulos."

Diác. Juranir é presidente da CRD Leste I e membro da ENAP-Equipe Nacional de Assessoria Pedagógica da CND.

Data do artigo: novembro de 2008