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DE AMOR NÃO SE VIVE

04/04/2023

DE AMOR NÃO SE VIVE

* Diácono Miguel Ángel Herrera Parra

 

           Nos últimos anos, ouvimos várias vezes, até mesmo de pessoas que nos são muito queridas e respeitáveis, esta frase: “Você não vive do amor”. Eles o aplicam para alertar aqueles jovens casais que pensam que estar "apaixonado" é o suficiente para manter o relacionamento, esquecendo-se de aspectos relacionados à responsabilidade trabalhista, aspectos econômicos, questões jurídicas, propriedade familiar e outros temas semelhantes.

            De minha parte, mais do que me referir, academicamente, agora a valores universais e recomendações gerais, sobre a importância do amor integral e o chamado a crescer, em todas as dimensões, para cada um dos membros de um relacionamento amoroso, quero expressar da minha própria experiência de vida, algumas coisas que me lembro e compartilho com muito carinho, sobre este assunto que estamos refletindo.

            Conheci minha esposa (Sary) em uma paróquia e quando a vi, ela estava fazendo, com muita alegria, com espírito de serviço e proximidade com as pessoas, uma sessão de catequese batismal, e pensei; "É assim que eu gostaria de ter uma esposa, algum dia." No meu caso, como podem ver, foi "amor à primeira vista".

            Naquela mesma paróquia, antes, eu havia pedido a Deus que, por favor, me apresentasse uma mulher cristã, amorosa e carinhosa, com quem eu pudesse compartilhar a vida, e com ela formar uma família que fosse, por amor, para serviço comunitário.

            Depois de quase dois anos de namoro, decidimos nos casar e nos fazer felizes, compartilhando a vida um com o outro. Na hora de celebrar o sacramento do matrimônio, senti e pedi ao Senhor Jesus que nossa vida conjugal seja para “maior glória de Deus”.

Participamos, por dois anos, das Missões que, como paróquia, durante o verão, fizemos nas Ilhas Butachauques, de Chiloé, na Décima Região dos Lagos, a mais de 1.000 quilômetros ao sul de Santiago. Graças a Deus aprendemos que, nas missões, temos que conhecer o povo e sua cultura, pois só se ama o que se conhece. Cada experiência diária de oração e serviço com os locais nos lembrava um trecho do Evangelho de Jesus, "a viúva pobre", "o cego que reconheceu Cristo", "o paralítico excluído", "a multiplicação dos pães" etc.

            Durante três anos, no início da nossa vida conjugal, fomos inquilinos de uma casa, num contexto onde pudemos encontrar muitas pessoas e famílias que tinham muitos valores humanos e cristãos, mas também necessidades materiais. Com minha esposa, vendo a realidade dos meninos e meninas do setor, criamos um centro de apoio escolar, de onde ajudamos voluntariamente essas crianças no aprendizado das disciplinas escolares. Deus nos mostrou que há "grande alegria em dar aos outros, de coração". Naquela época, ainda não tínhamos filhos.

            Também formamos uma comunidade de casais, composta por seis casais, provenientes de diversas partes da paróquia. Aquela comunidade nos ensinou muito, desde os mais novos, principalmente a aprender, à luz da Palavra de Deus, das experiências de outras famílias, de seus acertos e erros como casais.

            Mais tarde, mudamo-nos para uma casa, num conjunto habitacional de poucas casas, de que éramos proprietários, e ficamos a conhecer outras realidades familiares, com pessoas muito diferentes, e até com alguns pensamentos antagónicos. Lá formamos um grupo de danças folclóricas de diferentes regiões do Chile, o que nos ajudou a crescer nessa dimensão cultural e a fazer muitas apresentações de nossas danças. Foi uma experiência muito alegre e divertida, pela qual agradecemos a Deus por nos abrir para conhecer muitas pessoas diversas, que valorizaram essas expressões. A partir daí mantemos e cultivamos uma bela amizade com famílias, das quais fomos vizinhos e, apesar de hoje morarmos em lugares muito distantes, uns dos outros, de qualquer forma, continuamos a interagir com eles, pois, além disso, estamos unidos por laços de padrinhos de alguns de seus filhos e filhas.

            Também na paróquia participamos de algumas oficinas do Programa de Educação para a Convivência do Casal, com a metodologia da educação popular, que era ministrada pelo CIDE (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação), cujo diretor era um renomado jesuíta padre. Dois anos depois, tive a oportunidade de ser o responsável por esse Programa educacional e de criar a Oficina para Pais e Filhos Adolescentes, que junto com as oficinas anteriores, com minha esposa fomos a todas as regiões do Chile, para formar equipes de monitores que possam replicar estas oficinas educativas, localmente, nas freguesias, nas escolas e em várias outras organizações sociais. Também pudemos compartilhar esta experiência educativa em dioceses de outros países do continente, como Paraguai, Uruguai, Argentina e Venezuela.

            Graças a Deus conseguimos formar muitos casais e casamentos e fortalecer a ideia que os casados ​​devem trabalhar para melhorar constantemente a nossa comunicação entre nós e com nossos filhos e filhas, de forma compartilhada, ao longo do processo desde a gravidez, infância, adolescência e até a idade adulta. Nesse programa entendemos que, com essas experiências simples e participativas, podemos realizar ações culturais que visam uma mudança positiva em nossas famílias e em nossa sociedade.

            Depois de treze anos na primeira casa própria, na qual pudemos receber a bênção de nossas três filhas (Sarita, Pia e Paz), Deus nos ajudou com a oportunidade que, com nosso próprio trabalho, conseguimos adquirir uma nova habitação como proprietários, num Complexo Residencial maior e mais desafiante, no qual vivemos atualmente. Ali nos unimos à comunidade local e, depois de quatro anos, conseguimos formar comunidades e construir – com o esforço de todos – a Paróquia San Alberto Hurtado de Peñalolén. Nesta paróquia também trabalhamos na pastoral da família, na pastoral batismal e na pastoral da liturgia. E nesta paróquia, o pároco - que nos conhecia muito bem - me apresentou para o discernimento, que fizemos junto com minha esposa, e depois fizemos a formação como Diácono Permanente, que durou cinco anos e meio. Fui ordenado Diácono permanente da Arquidiocese de Santiago em 21 de agosto de 2004.

            O meu lema, como diácono, é "Recebei o Espírito Santo" (Jo 20, 22), que é algo que vejo dirigido a todo o Povo de Deus, que deseja - com a ajuda do Espírito Santo - dar-nos seus dons e carismas, e seguir o Senhor Jesus, neste mundo concreto. Aprendi que os diáconos podem servir nas três dimensões: na Liturgia, na Palavra e na Caridade. E este último, a Caridade é chave para os diáconos porque nos abre à possibilidade de servir - com o amor de Jesus Cristo Servo - os privados de liberdade, os migrantes, os doentes e as minorias (pastoral dos povos originários, pastoral dos diversidade sexual, aos ciganos, entre outros), segundo o apelo que o Senhor faz a cada um de nós, na nossa própria história e na nossa realidade.

            Em todo esse tempo, que são mais de quarenta anos de casados, vivemos do amor que Deus tem por nós, por pura misericórdia, e, com sua graça, recebemos forças para poder caminhar com outras famílias, aprender com eles e também ensinar aquelas virtudes teologais (fé, esperança e amor) que Ele colocou em nossos corações.

            Concluindo, para aqueles que se empenham em demonstrar que não se vive de amor, em meio a nossa sociedade egoísta e materialista, o único argumento poderoso que temos é o de "falar" com nosso cotidiano, para testemunhar que vivemos do amor de Deus, que recebemos, conhecemos e cultivamos, em nossas próprias famílias e que -também- compartilhamos com outras pessoas, em nosso permanente caminhar pela vida, que é imanente e transcendente

            Portanto, hoje podemos dizer e reafirmar que "de amor você vive". Vivemos do imensurável Amor de Deus, que se manifestou em nossas famílias e comunidades.

            Obrigado Senhor Jesus, nós te louvamos e te bendizemos todos os dias e para sempre! Dá-nos a tua Vida e dá-nos a tua Saúde, e pedimos-te que continues a ajudar-nos a seguir as tuas pegadas e a servir - com o teu Amor - todas as pessoas, especialmente as que mais sofrem.

 

* Miguel Ángel Herrera Parra

diácono permanente

Santiago do Chile

 

• Graduação em Sociologia, pela Universidade do Chile,

• Mestre em Educação, pela Universidade Católica Silva Henríquez

• Diploma em Atualização Teológica, pela Pontificia Universidad Católica de Chile.