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Do fenômeno religioso à oração individual

01/05/2009

Diácono Juranir Rossatti Machado

INTRODUÇÃO

No segundo capítulo do livro Porque crer em Deus, de Desidério Piróvano, intitulado A afirmação de Deus, lemos: “a nossa razão, observando o mundo dos homens e das coisas, chega à conclusão de que, além de nós mesmos e além da realidade que nos circunda, deve existir um Ser Superior, um Princípio último, um Absoluto, de que tudo depende e que tudo explica: Deus”. Mais adiante, referindo-se ao consenso dos povos e dos sábios, o Autor registra: “O homem é uma criatura religiosa, porque é uma criatura inteligente, e sendo, como toda a realidade, orientada por Deus, o é de um modo consciente. Ele, portanto, “sente” a existência de um Ser Superior do qual provém e ao qual tende: teme-o, honra-o e considera-o como bem supremo. O fato da existência de Deus é, portanto, a justificativ da religiosidade humana”.

As considerações de Desidério, que tivemos a oportunidade de reler recentemente, motivam-nos a expor algumas breves idéias sobre o fenômeno religioso e a oração, especialmente a oração privada. Brevíssimas idéias. Pinceladas mesmo. Sem dúvida alguma, reconhecemos a limitação de nossas palavras diante de assuntos tão complexos; mas sentimos que vale a pena trazermos á nossa sensibilidade temas sobre os quais, vez por outra, precisamos debruçar-nos.

Não desconhecemos a existência de vozes que propagam a negação de Deus e consideram o fenômeno religioso uma grande ilusão, motivada por várias razões, entre as quais aquelas que passam pelo medo do desconhecido. Elas nos chegam sob as vestimentas do ceticismo, do racionalismo e do indiferentismo. Optamos pelo consenso dos sábios que a História nos apresenta. Optamos pelos ensinamentos que a Igreja nos ministra. Optando pelo Magistério da Igreja, reconhecemos e aceitamos a existência de “uma outra ordem de conhecimento, que o homem de modo algum pode atingir pelas próprias forças, a da Revelação divina” (CaIC 50). Um dos sábios, Doutor em nossa Igreja, nos diz: “Senhor... tu nos criaste para ti e o nosso coração estará inquieto, enquanto não repousar em ti” (Santo Agostinho).

Nestas linhas, o objetivo maior é fazer uma conexão entre o fenômeno religioso e a oração. Mais nada além deste propósito. Por que o homem reza? Que busca o homem em sua oração? Sem entrarmos em detalhes próprios de correntes religiosas, enveredamo-nos pelas generalizações, acreditando que, mesmo dentro desta despretensiosa exposição, elas são oportunas.

O SENSO RELIGIOSO UNIVERSAL: A BUSCA DE DEUS

Através da História das Religiões, toma-se ciência de que, em todos os tempos e lugares, ocorre o fenômeno religioso. Constata-se que o homem é um ser religioso. Tem inscrito em seu coração o desejo de Deus e este anseio de comunhão com Deus é o “aspecto mais sublime da dignidade humana”, vai dizer-nos o Catecismo da Igreja, em seu parágrafo 27.

Cícero, orador e político romano (106-43 aC.), presta seu depoimentos:”Não há povo tão primitivo, tão bárbaro, que não admita a existência de deuses, ainda que se engane sobre a sua natureza”. Vamos encontrar nas páginas da História Universal outro depoimento igualmente precioso. Diz-nos Plutarco, escritor grego (125-50 aC.), debruçando-se sobre as experiências e realizações dos povos e observando seu senso religioso: “Podereis encontrar uma cidade sem muralhas, sem edifícios, sem ginásios, sem leis, sem uso de moedas como dinheiro, sem cultura das letras. Mas um povo sem Deus, sem oração, sem juramentos, sem ritos religiosos, sem sacrifícios, tal nunca se viu.” Em nossos tempos, seguindo a mesma confissão de idéias e fazendo rápida referência aos elementos constitutivos da religião, ouvimos a Igreja dizer-nos: “Na sua história, até os dias de hoje, os homens têm expressado de múltiplas maneiras a sua busca de Deus através de suas crenças e seus comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações, etc.). Apesar das ambigüidades que podem comportar, estas formas de expressão são tão universais que pode-se chamar o homem de um ser religioso” (CaIC 28)

A NECESSÁRIA UNIÃO ÍNTIMA E VITAL COM DEUS

O fenômeno religioso leva-nos a perceber que existe no homem profundo desejo de felicidade e esta felicidade está em sua comunhão com o Ser Superior, que, no contexto das religiões proféticas, acentuadamente naquelas marcadas pelo cristianismo, chamamos de Deus. No processo de busca de união íntima e vital com Deus, que não deixa de ser igualmente a busca da verdade, principalmente sobre a origem e o fim do homem, surgem os elementos constitutivos da religião (doutrina, ritos, símbolos, ética, a dimensão comunitária...), meios através dos quais o homem acredita estabelecer diálogo com o Mistério e agir em conformidade com sua vontade, pois por ele o homem se sente atraído. Ainda dentro do parágrafo 27, o Catecismo da Igreja expressa esta lembrança: “Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar.”

A ausência da união íntima e vital com Deus, o seu esquecimento ou rejeição, pode ser fonte de múltiplos distúrbios emocionais, desordens comportamentais, excessivas “preocupações com as coisas do mundo e com as riquezas” (CaIC 29), “correntes de pensamento hostis à religião” (CaIC 29). O enfoque religioso do homem é de extrema importância na busca de sua própria identidade no cenário da criação do mundo e de todas as coisas visíveis e invisíveis. O abandono desse enfoque é nascedouro de não poucas enfermidades psicossomáticas. São impressionantes estas palavras do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961): “Entre todos os meus pacientes de mais de trinta e cinco anos não há nenhum cujo problema não fosse o da religação religiosa. A raiz da enfermidade de todos está em terem perdido o que a religião deu a seus crentes, em todos os tempos; e ninguém está realmente curado enquanto não tiver atingido, de novo, o seu enfoque religioso”. Em seu livro Saúde para todos, no capítulo em que aborda a temática religião e saúde, Pe. José Avril coloca-nos diante da seguinte constatação, colhida em suas fontes de pesquisa e confirmada pelas suas experiências: “Deus nos criou e faz parte do nosso ser; rejeição ou afastamento dele cria desarmonias em nós.” Logo depois desta sua colocação, aponta-nos a frase atribuída ao psiquiatra Jung: “Não curei ninguém sem fazê-lo voltar à sua religião”.

Dentro dos elementos constitutivos da religião, de maneira especial em seus ritos (culto, sacrifícios), encontramos a expressividade dos anseios humanos e da esperança da conquista da felicidade e do próprio sentido da vida. Encontramos o desejo de libertação de todos os males. Desejo, aliás, manifestado pela Igreja na oração que se segue ao Pai Nosso, na Celebração da Eucaristia, que, por sua vez, não deixa de ser um colocar-se diante de Deus todo-poderoso, através de Cristo Sacerdote, levando-lhe a esperança de superação de problemas, males, enfermidades, da falta de sentido da vida... Nos ritos e, dentro deles, nos símbolos, expressamos a necessária e íntima união vital com Deus, fazemos a leitura ou releitura dos acontecimentos que nos cercam e buscamos a reorganização da própria vida. Em todas as ações litúrgicas, vamos reafirmando a nossa mais profunda identidade, que encontra em Deus a suprema força de atração. Em outras palavras, fora de Deus não sabemos quem realmente somos e qual é nosso fim último.

ORAÇÃO: ENCONTRO COM O MISTÉRIO E A BUSCA DE UM CONCEITO

Por que o homem reza?Que busca o homem em sua oração? Retomamos as perguntas que há pouco fizemos.

Entre os elementos constitutivos da religião, encontra-se a oração individual, que estamos enfatizando em nossas linhas, e comunitária, cuja realização será exterioridade se a oração individual não for levada a sério. O homem reza, individual ou comunitariamente, porque é um ser religioso. Na oração, o homem vive um encontro com o Mistério. Manifesto ou latente, existe na oração o desejo de comunhão com a Divindade. É principalmente através da oração que o homem vivencia sua religação com o Ser Superior. E, nesse processo de religação, o homem dialoga com Deus.

O senso ético, também elemento constitutivo do fenômeno religioso, leva o homem a perceber que sua oração precisa ser marcada pelas virtudes da abertura de seu coração, pela autenticidade, pelo reconhecimento da transcendência divina, pelo reconhecimento da finitude humana. Evidentemente, existem outras virtudes. O reconhecimento da transcendência divina e da finitude humana não torna Deus maior do que é e não diminui o homem. Quando verdadeira, a oração não distorce as realidades e não as violenta. As realidades tornam-se mais claras; e o homem, em sua finitude (e sempre o será), percebe que, através dela, cresce em sua interligação com Deus e nele, ainda por meio da oração, encontra o caminho de superação de seus próprios limites. Cada limite que se percebe é convite a superá-lo e é convite à criatividde que torna a vida mais rica. A oração deve conduzir sempre o homem à novidade da vida, novidade marcada pelo Mistério.

Cada corrente religiosa parece trazer um conceito distinto de oração. Por exemplo, o conceito monoteísta de oração não coincide com o conceito politeísta. Terão as religiões proféticas e espiritualistas o mesmo conceito? A constatação de pontos comuns não é garantia de definição comum. Acreditamos que todo conceito de oração traz consigo alguma conotação subjetiva, isto é, não deixa de trazer traços de seu autor ou da corrente religiosa que o formula. Traços que revelam experiências, convicções, expectativas, anseios etc.

Dentro do contexto católico, busquemos um conceito de oração. Encontrando-o, não o consideremos completo e.definitivo. Não consideremos acabada a nossa busca. Inicialmente, façamos uso da definição que o Compêndio do Catecismo Católico nos apresenta em sua questão 534, tendo como fontes os parágrafos 2558-2565 e 2590 do Catecismo da Igreja: “A oração é a elevação da alma a Deus ou pedido a Deus de bens conformes à sua vontade. Ela é sempre dom de Deus, que vem ao encontro do homem. A oração cristã é relação pessoal e viva dos filhos de Deus com o seu Pai infinitamente bom, que habita no coração deles.”

A definição que acabamos de ler leva-nos a refletir sobre três pontos, que podem ser considerados elementos fundamentais da oração cristã. Isto significa que toda oração cristã deverá ser alicerçada sobre essas bases, sem excluirmos a possibilidade de encontrarmos outros fundamentos.

Em primeiro lugar, temos a consciência do limite. Trata-se do reconhecimento da finitude humana de que falamos acima. Essa consciência do limite não deve ser sintoma de frustração humana nem desejo claro ou camuflado de ser igual a Deus (Gn 3, 1-6); mas sincera busca da superação em Deus e não fora dele, como nos apregoa o Salmo 18(Hebr. 19), que traz o testemunho dos céus e da Lei a favor da glória de Deus e nos afirma que a “ordem do Senhor é segura, instrui o simples” e nos garante que seus preceitos “são retos, deleitam o coração” e que “os juízos do Senhor são verdadeiros, todos igualmente justos. Mais desejáveis que o ouro, que uma barra de ouro fino, mais doces que o mel, que o puro mel dos favos”. No final do salmo, o homem orante, numa profunda atitude de entrega e confiança, formula seu pedido: “Aceitai as palavras de meus lábios e os pensamentos de meu coração, na vossa presença, Senhor, minha Rocha, meu Redentor.” Na oração cristã, o reconhecimento da finitude humana torna-se caminho de descoberta dos cuidados de Deus para conosco, cuidados infinitamente superiores àqueles aos quais somos chamados a ter em relação às pessoas dependentes de nós. Se não existe essa descoberta, o homem orante está equivocado em algum momento de sua oração. Ela, a oração autêntica, ainda não surgiu em sua alma. Na oração cristã, o reconhecimento do poder de Deus conduz o homem orante a descobrir na onipotência divina a segurança de que ele necessita. Não se trata de poder que oprime, mas poder que liberta. O homem que, despido de vaidade, reconhece sua dependência de Deus e nele se abandona, encontra no pode divino a mais extraordinária via de crescimento pessoal, em todas as suas dimensões. A onipotência de Deus, eternamente voltada para o bem do universo e do homem, é modelo de toda autoridade legítima que o homem possa exercer no decorrer de sua historia. Não será este dado uma das grandes descobertas do reconhecimento da finitude humana, que deve caracterizar a oração do homem?

Agora, diante de nós, o segundo elemento fundamental da oração cristã: a relação dialogal com Deus. Na verdade, a oração acontece dentro da relação dialogal, no relacionamento do EU e TU, formando a corrente do NÓS, sem o qual não brota a oração. Deus me fala e eu o ouço. Eu falo com Deus e ele me ouve. Oração é conversa com Deus. É troca de idéias entre mim e Deus. A base se encontra na certeza de que Deus é pessoal, vivo, e continua revelando-se aos homens através de tantos modos, em especial na própria natureza, nas obras saídas de suas mãos. Na relação dialogal, que caracteriza também a oração cristã, é Deus mesmo quem toma a iniciativa do diálogo. É o que nós percebemos em Gn 3, 9: “Onde estás?”. É o grito amoroso do Criador à procura de sua criatura predileta, formada à sua imagem e semelhança e colocada à frente de toda a natureza para administrá-la com as potencialidades com as quais foi adotada (Gn 1, 26-30). É o grito de quem viu o homem romper os laços de amizade, mas lhe mostra a possibilidade de religação (Gn 3, 15), desde o primeiro instante em que a unidade foi rompida. É o grito do pai à procura do filho. É o grito do pastor à procura da ovelha. A oração é resposta ao grito do Criador, é restabelecimento e confirmação da unidade do homem com Deus, é a resposta do filho e o reconhecimento da voz do pastor.

Finalmente, o terceiro elemento fundamental da oração cristã: a novidade de Cristo. Ele é a possibilidade assegurada no Paraíso (Gn 3, 15). Ele é o grito feito carne, grito de busca que vem do Criador, do Pai, do Pastor. É a possibilidade de religação com Deus (Jo 3, 16-21). Nele, o relacionamento com Deus atinge o vértice da comunhão e, nesta comunhão, vamos percebendo que Cristo é caminho, é verdade, é vida (Jo 14, 6). É caminho de soerguimento do homem nas limitações próprias de sua finitude. É verdade que conduz o homem à sua mais profunda identidade. É vida que o homem precisa introduzir em sua vida. Em Cristo, a oração torna-se oração trinitária; pois ele nos revela que o Deus a quem nos dirigimos é Pai e Filho e Espírito Santo (Mt 28, 18-19). Ele nos fala do Pai. O Filho é ele mesmo. O Espírito Santo é o Amor que une o Pai ao Filho e une o Filho ao Pai. É Amor que se torna Pessoa. Cristo é modelo do homem orante. Ele é o modelo; todos os outros o imitam. Em suas orações, dirige-se ao Pai, na força do Espírito Santo. Ensina-nos a dirigir-nos ao Pai, em seu nome e impulsionados pela mesma força que o impulsionava em suas obras.

Acreditamos que podemos concluir o esboço de nossa busca de conceito de oração cristã dizendo que ela é diálogo, é conversa, é troca de idéias com o Pai, em nome de Cristo, na força do Espírito Santo. É encontro humano-divino. É o submergir da finitude humana no Mistério da Trindade, do qual a inteligência do homem não consegue sequer aproximar-se. Oração cristã é intercâmbio de sentimentos e, nesta dinâmica, vamos expondo nossa vida, conversando sobre nós mesmos, nossas ações, conquistas, frustrações, esperanças etc. Vamos fazendo a leitura ou releitura de nossa vida, através da oração, chamada a ser diálogo aberto à mais profunda comunhão de amor.

O MAIOR EXEMPLO DE ORAÇÃO CRISTÃ: A ORAÇÃO DO PAI NOSSO

A oração do Pai Nosso, ensinada por Jesus a partir de um pedido (Mt 7, 7-14; Lc 11, 2-4), se insere no conjunto dos ensinamentos de Jesus a respeito do modo de orar. Ela reflete claramente seu pensamento sobre oração: palavras revestidas de confiança e afetividade. Dá-nos entender que não precisamos multiplicar “palavras, como fazem os pagãos que julgam que serão ouvidos à força das palavras” (Mt 6, 7).

A oração do Pai Nosso deverá ser o selo que autentica o amor-abandono que parte do coração do homem e espera confiante e amorosamente a respsosta do amor-providente de Deus. Trazendo-a aos lábios, individual ou comunitariamente, não pode o homem esquecer-se da atitude filial. Nela, o homem dirige-se ao Pai; e, nela mesma, o Pai dirige-se ao homem, que ele vê como filho no Filho (Ef 1, 5-6). Por excelência, é a oração que marca acentuadamente o encontro divino-humano. Ela só adquire sentido dentro desta dupla dimensão: humano-divino, dentro desta articulação entre Deus e o homem, o céu e a terra, o religioso e o político, como nos lembra Leonardo Boff, em seu livro O PAI-NOSSO – A ORAÇÃO DA LIBERTAÇAO INTEGRAL. Diz-nos ainda na mesma obra: “Na oração de Jesus a causa de Deus não é alheia à causa do homem e a causa do homem não é estranha à causa de Deus. O impulso com o qual o homem se ergue ao céu e suplica a Deus se verga também à terra e afeta as urgências terrestres. É o mesmo movimento dentro de uma profunda unidade. É exatamente esta mútua implicação que produz a transparência na oração do Senhor.”

Na redação de Mateus, a oração do Pai Nosso apresenta sete pedidos, que podem ser distribuídos em dois grupos: os três primeiros conduzem-nos às virtudes teologais (fé, esperança e caridade); os outros estão relacionados ao homem, às suas necessidades materiais e espirituais. No primeiro grupo, o pedido inicial, incluindo a saudação, leva-nos a reconhecer a soberania divina, sua paternidade e sua santidade: “Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome”. São palavras que expressam a fé no Ser Superior e levam-nos a pensar e a refletir no relacionamento fraterno entre todos os homens e mulheres. No segundo pedido, existe o reconhecimento da vinda do reino de Deus e o homem manifesta o desejo que esse reino se realize: “venha a nós o vosso reino”. São palavras que manifestam esperança de que o projeto de Deus se realize. Pedir o reino de Deus é tornar-se seu parceiro na construção da paz, da justiça, da solidariedade. Finalmente, no último pedido, dentro do primeiro grupo, o homem coloca-se submisso à vontade de Deus, à semelhança de Cristo: “seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”. Em referência à humanidade, a vontade divina é sempre voltada para a promoção integral do homem, dinamizada pelo amor, cuja fonte é o próprio Deus (1Jo 4, 16), e envolvida pela caridade, que é amor em ação. Dentro do segundo grupo, encontramos os pedidos relacionados ao homem: “o pão nosso de cada dia nos daí hoje”, palavras que traduzem certeza de que Deus supre nossas necessidades pessoais: “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam”, palavras que nos induzem à formação de ambientes sadios através do relacionamento baseado no perdão recíproco e no constante confronto de nossos atos em relação às pessoas: “e não nos deixeis cair em tantação”, pedido que denúncia a fragilidade da natureza humana e a oscilação de nossa perseverança; “mas livrai-nos do Mal”, súplica que nos leva à tomada de consciência de que o projeto de Deus tem seus adversários e o homem, aderindo ao projeto divino, não está isento do desafio das adversidades. O homem é um ser tentável e as tentações estão dentro e fora dele e o Mal se apresenta com múltiplas faces em sua vida pessoal, grupal e societária, influenciando suas decisões. O Mal está presente na história da humanidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao término do que nos propuséramos. Dentro das limitações e objetivo apresentados em nossas primeiras linhas, esboçamos –apenas esboçamos – algumas idéias sobre o fenômeno religioso e, dentro dele, sobre a oração, particularmente a oração individual. Seguindo nossa vocação espiritual, fixamo-nos mais na oração cristã, sem deixarmos de respeitar outras formas de oração que partem dos lábios dos homens inseridos na pluralidade religiosa.

Encerrando nossas considerações, queremos ouvir Mahatma Gandhi (1869-1948): “Percebo obscuramente que, enquanto tudo ao meu redor muda e se move sempre, sob todas estas mudanças existe uma força vivente, imutável, que mantém tudo unido, cria, dissolve, e recria. Esta força ou espírito informador é Deus. E já que nada daquilo que vejo simplesmente com os sentidos pode persistir ou persistirá, só Ele é.” Conclui seus pensamentos: “E esta força é benévola ou malévola? Vejo-a exclusivamente benévola, pois vejo que no meio da morte persiste a vida, no meio da mentira persiste a verdade, no meio das trevas persiste a luz. Deduzo daí que Deus é Vida, Verdade, Luz. É amor.”

É Paulo, o Apóstolo dos Gentios, conhecedor do fenômeno religioso, quem coloca para nós o ponto final em nossas considerações: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, é o Senhor do céu e da terra, e não habita em templos feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos de homens, como se necessitasse de alguma coisa, porque é ele quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas. Ele fez nascer de um só homem todo o gênero humano, para que habitasse sobre toda a face da terra. Fixou aos povos os tempos e os limites da sua habitação. Tudo isso para que procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade ele não está longe de cada um de nós. Porque é nele que temos a vida, o movimento e o ser, como até alguns dos vossos poetas disseram: “Nós somos também de sua raça...”.” (At 17, 24-28)

Diác. Juranir é presidente da CRD Leste I e membro da ENAP-Equipe Nacional de Assessoria Pedagógica da CND.

Data do artigo: maio de 2009