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Do sentido genérico de culto ao culto mariano

01/05/2011

Diácono Juranir Rossatti Machado

CULTO EM SENTIDO GENÉRICO

O substantivo culto, que chega até nós através da palavra latina cultus, significa primeiramente cultivo e habitação. Apresenta, por extensão, os sentidos de acatamento, reverência, respeito, veneração, amor, honra, que não deixam de ser expressões do cultivo da homenagem e nos levam a habitar o mundo das comemorações. É com esses significados que nós homenageamos, por exemplo, pessoas de nossos relacionamentos e vultos históricos, levando em consideração sua trajetória de vida, suas atitudes e missão dentro da comunidade humana.

Há algo nessas pessoas que nos sensibilizam e nos levam a querer imitá-las em algum, alguns ou em todos os aspectos de seu jeito de ser. Tornam-se modelos. Surge entre elas e as pessoas que as admiram um verdadeiro e, não poucas vezes, inefável laço de comunhão!

Nas páginas do Antigo Testamento, encontramos exemplos do culto reverencial a pessoas, sem fazer confusão com o culto de adoração a Deus. Exemplo típico é o fato de os profetas porem diante dos olhos do povo os exemplos dos patriarcas e de seus líderes. É sempre oportuna a leitura daquelas linhas que, em Eclesiástico, do capítulo 42 a 50, se referem ao louvor de Deus e dos antepassados. Segundo comentaristas bíblicos, é justamente no capítulo 44 de Eclesiástico que se encontra a base do culto aos santos. “Façamos o elogio dos homens ilustres, que são nossos antepassados, em sua linhagem. O Senhor deu-lhes uma glória abundante, desde o princípio do mundo, por um efeito de sua magnificência. Eles foram soberanos em seus estados, foram homens de grande virtude, dotados de prudência; as predições que anunciaram adquiriram-lhes a dignidade de profetas. Os seus corpos foram sepultados em paz, seu nome vive de século em século. Proclamem os povos a sua sabedoria, e cante a assembleia os seus louvores.” (Eclo 44, 1-3.14.15).

O encontro das pessoas cultuadas e com seus admiradores, encontro pessoal ou através da festa das lembranças, se reveste de ritos, palavras especiais, gestos especiais e atitudes significativas, mesmo que aos olhos de outrem possam parecer-se sem razão de ser. O simbolismo se faz presente. Elas, as pessoas cultuadas, são portadoras de algo que nem sempre compreendemos imediatamente. Existe entre as pessoas cultuadas e seus admiradores uma identidade; e, fora dessa dimensão de identidade, o culto cai no vazio!

CAUSAS PROMOTORAS DO CULTO ÀS PESSOAS

Dentro do contexto das idéias apresentadas acima, as causas do culto (veneração, honra, preito) às pessoas podem ser múltiplas. Pode ser a luta pela conquista de um ideal. Pode ser a justa causa política que tenha impregnado seus seguidores. Pode ser a superação de uma grande dor ou uma grande enfermidade. Pode ser o enfrentamento de catástrofes ou calamidades. Pensemos por alguns instantes naquelas pessoas que, em virtude de seus atos, por causa das idéias defendidas ou por causa de sua trajetória de vida mereceram e continuam merecendo a nossa homenagem, o nosso culto reverencial, dentro do conceito genérico de culto. Quantos nomes vieram à nossa lembrança?

As expressões de culto, atitudes de homenagem, podem ser também muito variadas. Pode ser uma simples menção de honra ao mérito. Pode ser um festivo reconhecimento público. Recentemente, entre nós, os meios de comunicação focalizaram o culto reverencial ao policial que, através de sua ação, evitou que o massacre (assassinato) de crianças numa escola de Realengo, bairro da Cidade do Rio de Janeiro, fosse bem maior. Ele não recebeu somente uma menção de honra ao mérito; mas, em meio a um justo reconhecimento público, a homenagem estendeu-se à sua promoção a um escalão superior.

Não existe culto sem causa; e, muitas vezes, o motivo fundamental não é propriamente a pessoa cultuada, mas o que ela representa ou a missão que ela encarna. Neste caso, o culto se projeta para além da pessoa. Dentro desta situação específica, podemos dizer que há uma passagem de um culto para outro culto. É necessário que se perceba a interligação de modo objetivo!

Naqueles aludidos capítulos do livro de Eclesiástico, que há pouco mencionamos, temos os motivos do culto reverencial associados às pessoas indicadas. Citemos alguns exemplos: Noé “foi julgado justo e perfeito, e no tempo da ira tornou-se o elo de reconciliação” (44, 17); Abraão “guardou a lei do Altíssimo, e fez aliança com ele”, mostrando-se fiel a Deus (44, 20-21); Moisés glorificou a Deus “na presença dos reis , prescreveu-lhe suas ordens diante do seu povo, e mostrou-lhe a sua glória” (45, 2-30); Finéias “permaneceu firme no meio da idolatria do povo; por sua bondade e o zelo de sua alma, apaziguou a ira de Deus contra Israel” ( 45, 29). Na verdade, o culto prestado a todas essas pessoas são setas indicativas para o culto de adoração que se deve a Deus!

CULTO AOS SANTOS E O CULTO A DEUS: UM ASPECTO GERAL

Como estamos percebendo neste despretencioso trabalho, o culto aos santos, que conta por parte da Igreja de uma cuidadosa vigilância pastoral, possui raízes bíblicas. Embora conexas, o culto aos santos e o culto a Deus apresentam causas distintas, como ficou claro nos últimos tópicos do bloco anterior. Honra-se o santo por causa de Deus e cultua-se a Deus por causa dele mesmo.

O culto a Deus é apropriadamente chamado de adoração, porque ele é o Ser Absoluto, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, como a Igreja confessa em seus credos. Ele mesmo é a causa fundamental do culto que lhe é atribuído. O alicerce indispensável do culto aos santos, sempre dentro do sentido genérico (amor, respeito, veneração...), é a sua ligação ou comunhão com Deus.

Deus é a fonte da santidade. Nós nos tornamos santos em Deus.

No contexto da linguagem e ensinamentos neotestamentários, diante do culto aos santos, deve-se perscrutar as graças ou dons que manifestam ou expressam a respeito da ação da Santíssima Trindade em suas vidas. Em o Novo Testamento, revela-se o que o Antigo não explicitou: Deus é Pai, é Filho, é Espírito Santo. Não existe santidade fora das relações trinitárias!

É preciso reforçar que o culto aos santos faz-nos penetrar na ordem sobrenatural ou dimensão da fé. Direciona-nos para a ação transformadora e santificadora das Pessoas Divinas da Trindade Santa; portanto, todo legítimo culto aos santos traz-nos um recado do Pai, uma mensagem do Filho e a força do Espírito Santo.

Sem embaraço bíblico ou teológico, a Igreja se firma na convicção de que os santos intercedem por nós. Esta certeza está vinculada à doutrina da comunhão dos santos . Em seu Catecismo, a Igreja registra este ensinamento: “Pelo fato de os habitantes do Céu estarem unidos mais intimamente com Cristo, consolidam com mais firmeza na santidade toda a Igreja. Eles não deixam de interceder por nós junto ao Pai, apresentando os méritos que alcançaram na terra pelo único mediador de Deus e dos homens, Cristo Jesus. Por conseguinte, pela fraterna solicitude deles, a nossa fraqueza recebe o mais valioso auxílio.” (956)

Embora não exista “na Bíblia nenhum exemplo concreto de invocação de quem quer que seja fora de Deus ou de Cristo”; porque “Javé no AT e Cristo no NT dominavam as mentalidades humanas de modo exclusivo e soberano” (Léxico Bíblico Litúrgico, Pe. Frederico Dattler), aparece uma cena muito significativa no cenário da crucificação que nos leva a pensar na intercessão dos santos. Trata-se do grito de Jesus “Eli, Eli, lamma sabactáni?” (Mt 27, 46). Muitos entenderam como uma invocação a Elias a ponto de dizerem “Deixa! Vejamos se Elias virá socorrê-lo.” (Mt 27, 49) Seria possível tal engano, se a invocação dos patriarcas e dos profetas não fosse algo à prática piedosa do povo judeu, pelo menos a nível popular? O Boda de Cana, acontecimento que João coloca em seus apontamentos (Jo 2, 1-10), mostra-nos Maria em sua função intercessora, sem diminuir em nada a grandeza de seu Filho!

CULTO MARIANO: INÍCIO E EXPANSÃO (SÍNTESE)

Entre todos os santos, destaca-se a Mãe de Jesus. Na verdade, desde o início da Igreja, registram-se referências especiais à sua pessoa e registra-se embrionariamente um culto mariano. São muito significativas e, de alguma maneira, sustentam a especial veneração a Maria, as alusões à sua presença ao lado de Jesus, em episódios marcantes da caminhada do Filho Deus. Em Lucas, por exemplo, temos a infância de Jesus (1-2); João apresenta a cena da Boda de Caná (2, 1-10), onde se percebe claramente o papel intercessor de Maria; o mesmo Evangelista acentua a presença da Mãe de Jesus no cenário da crucifixão, dentro do qual seu Filho a entrega aos cuidados do discípulo amado e entrega a este a própria Mãe, transmitindo a ela o exercício da maternidade espiritual de todos os seus seguidores. Desde Gênesis (3, 15) ao Apocalipse (12, 1-18), há referências à MULHER, que a Igreja identifica como sendo a Mãe de Jesus. Por ser distinto do culto aos santos (chamado de dulia), o culto a Maria recebe o nome de hiperdulia.

Em todos os séculos, desde o primeiro aos nossos dias, escritores eclesiásticos e Papas não deixaram de acentuar aspectos marianos de capital importância para o discernimento e desenvolvimento do culto a Maria, sem prejuízo do culto de adoração a Deus, realizado principalmente no contexto da Celebração da Eucaristia. Na História da Igreja, no período patrístico (no ocidente, até S. Gregório Magno, morto em 604; no oriente, até S. João Damasceno, morto em 749), encontramos Padres da Igreja, manifestando, em relação à participação de Maria nos mistérios de Cristo e da Igreja, suas fundamentadas e prudentes orientações. Lá, do início da Igreja, por exemplo, chega a voz de S. Inácio de Antioquia (morto em 107), contemporâneo de João Evangelista e sucessor de S. Pedro na cátedra de Antioquia: “Nosso Deus, Jesus Cristo, tomou carne no seio de Maria segundo o plano de Deus... Permaneceu oculta ao príncipe deste mundo (cf. Jo 12, 31); 14, 30) a virgindade de Maria e seu parto, como igualmente a morte do Senhor: três mistérios de grande alcance, que se processaram no silêncio de Deus (aos Efésios n 18 e 19).” Em nossos dias, temos a voz do Papa Bento XVI: “Maria Santíssima, a Virgem pura e sem mancha é para nós escola de fé destinada a conduzir-nos e a fortalecer-nos no caminho que leva ao encontro com o Criador do céu e da terra. O Papa veio à Aparecida com viva alegria para vos dizer primeiramente: “Permanecei na escola de Maria”. Inspirai-vos nos seus ensinamentos, procurai acolher e guardar dentro do coração as luzes que ela, por mandato divino, vos envia lá do alto.” (12 de maio de 2007, em seu encontro com os Sacerdotes, as Religiosas, os Seminaristas e os Diáconos, na Basílica do Santuário de Aparecida)

No passado, mais exatamente nos primeiros anos da década de sessenta do século XX, a Igreja nos apresenta o Concílio Vaticano II, fonte da qual deveremos buscar sempre a água cristalina sobre prudentes considerações acerca do papel de Maria na Igreja e no mundo. Do Concílio Vaticano II nos vem a Constituição Dogmática Lumen Gentium, que, no capítulo VIII, direciona-nos para a Bem-aventurada Virgem Maria, salientado sua Maternidade Divina e focalizando sua admirável participação no Mistério de Cristo e da Igreja. Mostra-nos a natureza e o fundamento do culto mariano. Leva-nos a contemplá-la como tipo (imagem) da Igreja em sua Virgindade e Maternidade Divina. Recorda-nos a Igreja, através do documento conciliar Lumen Gentium, que “todo autêntico testemunho de amor manifestado por nós aos habitantes do céu, por sua própria natureza tende e termina em Cristo, coroa de todos os Santos, e por ele em Deus, que é admirável nos seus Santos e neles engrandecido” (60).

Não podemos nos esquecer das inúmeras publicações em torno de temas marianos, que, através do Magistério, a Igreja tem apresentado ao povo cristão, desde Leão XIII, com sua Encíclica sobre o rosário de Nossa Senhora. Entre essas publicações, temos a Exortação Apostólica Marialis Cultus, por meio da qual seu autor, Papa Paulo VI, apresentando-nos esclarecimentos sobre o culto mariano, enfatiza o ensinamento segundo o qual não existe verdadeira devoção a Maria se ela não nos conduz ao Filho de Deus. Tendo como uma de suas fontes Marialis Cultus, a Igreja coloca em nossas mãos o Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, contendo princípios e orientações norteadoras quanto ao culto à Mãe de Deus nas mais diversas manifestações de devoção mariana, vividas no contexto da eclesialidade católica. Traz-nos também várias explicações quanto ao culto mariano em celebrações litúrgicas durante o ano.

O culto a Maria finca-se primeiramente no desígnio insondável de Deus, “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do céu nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos” (Ef 1, 3-4). Desde a eternidade, Deus vislumbra a cada um de nós e, “segundo o beneplácito de sua livre vontade” (Ef 1, 5) espera a chegada da plenitude dos tempos para enviar “o seu Filho, que nasceu de uma mulher”. A escolha de Deus, lembrada pelo Papa João Paulo II, no início de sua carta encíclica Redemptoris Mater, ressalta o papel fundamental de Maria no projeto de salvação. “A mãe do redentor tem um lugar bem preciso no plano da salvação, porque, “ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, a fim de resgatar os que estavam sujeitos à Lei e para que nós recebêssemos a adoção de filhos. E porque vós sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama “Abba! Pai!” (Gl 4, 4-6).”

A plenitude dos tempos acolhe Maria; e ela traz consigo a expressão do amor do Pai, da missão do Filho e o dom do Espírito Santo. Através do culto prestado a ela, presta-se, em primeiro lugar, um verdadeiro culto de adoração ao Deus Uno e Trino, cujo amor “nos predestinou para sermos adotados como filhos seus por Jesus Cristo” (Ef 1, 5).

O episódio da Anunciação do Nascimento de Jesus (Lc 1, 26-38) é desdobramento do desígnio de Deus “antes da criação do mundo”. Registra o primeiro culto a Maria na “plenitude dos tempos”. E ele vem dos céus! Através do Anjo Gabriel, mensageiro da boa nova, Deus, em seu profundo mistério de amor e tendo em vista o projeto de salvação dos homens, coloca, por assim dizer, sob a apreciação da Virgem de Nazaré o seu plano: honrando-a, transmite, por meio da voz angelical, o convite para ser a Mãe do Salvador. “Maria é introduzida no mistério de Cristo definitivamente mediante aquele acontecimento que foi a Anunciação do Anjo”, diz-nos o Papa João Paulo II em documento já citado. Sabendo ouvir, Maria acolhe a palavra de Deus com fé: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). A força do Altíssimo, o Espírito Santo, desce sobre ela e a envolve com sua sombra (Lc 1, 35) e em seu ventre virginal o “Verbo se fez carne” e começa a habitar entre nós (Jo 1, 14). No ventre de Maria, o Filho de Deus!

Lembra-nos São Luís Maria de Montfort, em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, iniciando o capítulo onde trata de Maria no Mistério da Igreja: “O procedimento que as três pessoas da Santíssima Trindade tiveram na Encarnação e primeira vinda de Jesus Cristo, mantêm-no ainda todos os dias, de maneira invisível, na santa Igreja, e assim será, até a consumação dos séculos, na última vinda de Jesus Cristo.” Como Cristo foi enviado, Maria veio para nunca mais deixar-nos e ser, considerando especialmente o episódio da Anunciação, Modelo e Mãe da Igreja, porque com o seu FIAT torna-se modelo para todos nós e com sua Maternidade Divina torna-se da Mãe da Igreja. É Mãe de Cristo, cabeça da Igreja (Cl 1, 18). Com ela, a Igreja torna-se crente nas promessas divinas; com ela, a Igreja torna-se serva; com ela, a Igreja torna-se sacrário do Verbo Eterno; com ela, a Igreja aprende a viver relações trinitárias com Deus Uno e Trino; com ela, a Igreja abre-se para o mundo.

É muito sábia a lembrança do Catecismo da Igreja Católica: “Todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1,48): “A piedade popular da Igreja para com a Santíssima Virgem é intrínseca ao culto cristão”. A Santíssima Virgem “é legitimamente honrada com um culto especial pela Igreja. Com efeito, desde remotíssimos tempos a bem-aventurada Virgem é venerada sob o título de “Mãe de Deus” sob cuja proteção os fiéis se refugiam suplicantes em todos os seus perigos e necessidades. (...) Este culto(...) embora seja inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração que se presta ao Verbo encarnado e igualmente ao Pai e ao Espírito Santo, mas o favorece poderosamente”; este culto encontra a sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus e na oração Mariana, tal como o Santo Rosário, “resumo de todo o Evangelho” (CaIC, 971)

A maternidade divina de Maria é a matriz das devoções marianas, no contexto das devoções de piedade popular e nas celebrações eclesiais e, para vivê-las bem e delas participar corretamente, não podemos deixar de orientar-nos, por exemplo, pelos princípios e orientações do Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, como lembramos em algum momento de nossa exposição. Em Marialis Cultus, depois de assinalar certos cuidados que devemos ter nas expressões cultuais marianas, o Papa Paulo VI destaca: “Desejamos acentuar bem isto: o culto que a Igreja universal tributa hoje à Santíssima Virgem é derivação, prolongamento e acréscimo incessante daquele mesmo culto que a Igreja de todos os tempos lhe rendeu, com escrupuloso estudo da verdade e com uma sempre vigilante nobreza.” Do mesmo inesquecível Papa e do mesmo documento, desejamos apontar mais estas palavras segundo as quais o culto mariano “se insere, qual parte nobilíssima, no contexto daquele culto sagrado, em que vêm confluir a culminância da sapiência e o vértice da religião, e que, por conseguinte, é dever do Povo de Deus”.

Na História da Igreja, o Concílio de Éfeso, realizado em 431, foi um marco na expansão do culto mariano. A partir dele, dentro do âmbito da devoção Mariana, ocorre o surgimento de festas, expressões artísticas diversas e hinos. Foi no Concílio de Éfeso que se deu a proclamação do dogma da Maternidade Divina de Maria, que veio ao encontro dos anseios de cristãos do oriente e do ocidente, que, desde o início da Igreja, reservavam a Maria um lugar de destaque na Liturgia e no devocionário popular. Nos séculos seguintes, em termos de Liturgia, o culto a Maria se acentua principalmente à medida em que a Igreja, amparada pela força do Espírito Santo, vai proclamando os dogmas a seu respeito.

Dentro do contexto da História da Humanidade, a conversão de Constantino (288-337), permitindo a expansão do cristianismo no Império Romano, criou, especialmente na camada popular, um contexto favorável à devoção Mariana. Com o olhar voltado para esse aspecto cultural, diz-nos a História por meio da análise de Tiago Vidal da Silva (FAFIJA): “Quando Constantino I apoderou-se do trono imperial romano o cristianismo passa a ser a religião oficial do Império e, por conseguinte uma das primeiras atitudes do papa Silvestre I foi remodelar todo o calendário romano, suprindo os feriados e festas dedicadas aos deuses pagãos, e dando assim lugar às solenidades cristãs.” (A Construção da figura de Maria na Igreja Católica: uma análise do contexto político, social e religioso das aparições de Fátima de 1917 à contemporaneidade)

O culto a Maria, a nossa devoção para com ela, não nos isenta de debruçarmos sobre sua pessoa, e refletirmos sobre os vários momentos da História em que a Igreja, com sua autoridade e sabedoria, precisou intervir para impedir abusos no culto que lhe atribuía e na devoção que lhe era prestada. É o que a Igreja faz em nossos dias. Precisamos ouvi-la!

Diác. Juranir é membro da ENAP-Equipe Nacional de Assessoria Pedagógica da CND.

Data do artigo: maio de 2011