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Espiritualidade Conjugal

21/11/2019

 Diác. Juranir Rossatti Machado

                                                                                                                               Membro da ENAP

 

 

A convite da Pastoral Familiar, atuante em uma das paróquias da Arquidiocese do Rio de Janeiro,falei a um grupo de casais sobre a espiritualidade conjugal. A título de lembrança, apresentei-lhes alguns pontos que, na ocasião, me pareceram importantes. É claro que a exposição, feita através da dinâmica da interação, foi marcada por uma benfazeja troca de idéias. É sempre enriquecedora a partilha de opiniões reforçadas por experiências pessoais. Têm sempre um grande peso. Mesmo sem o calor da interação experimentada, desejo apresentar alguns aspectos abordados por nós. Sim, apenas alguns enfoques sobre espiritualidade conjugal, considerando o contexto específico da religiosidade católica. Espiritualidade conjugal: assunto amplo, rico e inesgotável!

Em primeiro lugar, lembrei ao grupo de casais que o ser humano é pluridimensional. Além das dimensões física e religiosa, encontramos nele as dimensões social, familiar, política e psicológica. A autêntica promoção humana leva em consideração todas as dimensões da pessoa. A atitude do homem está sempre dentro de uma ou mais dimensões. Entre os diversos significados de dimensão, encontram-se estes: extensão, tamanho, grandeza, inclinação. Não se pode falar de vivência de espiritualidade conjugal, descartando, por exemplo, a dimensão social ou familiar e até mesmo a psicológica. Ela acontece dentro de um contexto de pluridimensionalidade. Ela tem elementos que dizem respeito ao senso social, valores familiares e traços psicológicos dos indivíduos que nela se acham envolvidos.                                                                               

As Ciências Humanas, unidas à Antropologia, trazem-nos uma constatação: o ser humano é naturalmente religioso. Lembram-nos a conhecida afirmação de Cícero (orador e político romano - 106-43 aC.): “Não há povo tão primitivo, tão bárbaro, que não admita a existência de deuses, ainda que se engane sobre sua natureza”. A crença em um Ser Superior está presente no consciente e no inconsciente da humanidade. A Igreja nos orienta: “O aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação à comunhão com Deus” (CIC, 27). O que a História constata e o que a Igreja nos ensina levam-nos a esta conclusão: existe em cada ser humano algum nível de espiritualidade; portanto, em virtude da dimensão religiosa na pessoa humana, espiritualidade é um modo de viver próprio de um crente; tem tudo a ver com crenças e valores. Mais uma vez, recorremos ao Catecismo da Igreja: “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar” (27). A espiritualidade conjugal é algo desejado por Deus e para Deus deve conduzir-nos. Está intimamente ligada à dimensão religiosa; mas isto não significa que esteja dissociada das outras dimensões da pessoa humana. Cada um de nós é uma realidade psicossomática: as dimensões da pessoa humana são inseparáveis. Marido e esposa - núcleo da comunidade conjugal – não se amam apenas com a mente; o amor que eles sentem um pelo outro perpassa por todas as dimensões, particularmente pelo corpo (dimensão física).

No contexto católico, as fontes da espiritualidade conjugal encontram-se nas páginas da Sagrada Escritura e nos ensinamentos do Magistério da Igreja, através de inúmeros documentos, entre os quais se encontram “Mulieris Dignitatem” e “Familiaris Consortio” do Papa João Paulo II. A Bíblia, por exemplo, em seu primeiro livro, Gênesis, nos fala da dignidade do homem e da mulher (1, 27), da complementariedade do casal (2, 18), do aspecto unitivo que deve unir os cônjuges (2, 24). Na definição de Sacramento do Matrimônio, o Magistério da Igreja aponta para a indissolubilidade da aliança conjugal, da geração dos filhos, do serviço que os cônjuges são chamados a exercer, cada um em relação ao outro, nos direciona para a comunhão que deve firmar o relacionamento do casal. Tudo isto faz parte da dinâmica da espiritualidade conjugal.

 

Dentro do Rito do Matrimônio, encontramos muitas motivações/pistas para a vivência da espiritualidade conjugal. Uma das primeiras orações, baseada em Efésios 5, 32, nos diz que o vínculo matrimonial é uma prefiguração do mistério de Cristo e da Igreja. Mais adiante, temos o DIÁLOGO, acentuando aspectos que devem ser vividos na autêntica espiritualidade conjugal: liberdade e espontaneidade, amor e fidelidade, a geração e educação de filhos. Outro momento marcante está nas palavras do CONSENTIMENTO: “Eu N. te recebo N. por minha mulher/meu marido, e te prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias da minha vida.” A espiritualidade conjugal se firma no cumprimento dos compromissos matrimoniais. Marido e mulher são chamados ao mesmo nível de responsabilidade pela sua vivência e manutenção.

 

Espiritualidade conjugal e a busca do corpo do cônjuge, para a realização do diálogo carnal, não são adversários entre si. No ser humano, não existe a dicotomia corpo e espírito. A este respeito, diz-nos o Apóstolo Paulo: “O marido cumpra o seu dever para com a sua esposa e da mesma forma também a esposa o cumpra com o marido. A mulher não pode dispor de seu corpo: ele pertence ao seu marido. E da mesma forma o marido não pode dispor do seu corpo: ele pertence à sua esposa. Não vos recuseis um ao outro, a não ser de comum acordo, por algum tempo, para vos aplicardes à oração: e depois retornai novamente um para o outro, para que não vos tente Satanás por vossa incontinência.” (I Coríntios 7, 3-5).

Em relação à família, o Concílio Vaticano II disse ao mundo que a família é IGREJA DOMÉSTICA: “É necessário que nesta espécie de Igreja doméstica os pais sejam para os filhos pela palavra e pelo exemplo os primeiros mestres da fé” (“Lumen Gentium”, 30). Ela torna-se cada vez mais IGREJA DOMÉSTICA quando vive seus compromissos sempre voltados para o dom da vida, o crescimento e a valorização do outro (ser humano, mundo, toda a criação). Na Igreja doméstica todos são ministros/servidores e celebrantes da liturgia do amor. Tudo isto faz parte da vivência da espiritualidade. Espiritualidade não é ociosidade, indolência, indiferentismo, acomodação...; mas é dinâmica, é vida!