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Homilia de Dom Francisco Salm na celebração em memória do Martírio de São João Batista

30/08/2022

Homilia de Dom Francisco Salm na celebração em memória do Martírio de São João Batista

Coube a Dom Francisco Salm, Bispo Referencial dos Diáconos Permanentes do Brasil, fazer a homilia na celebração Eucarística deste último dia 29 de agosto de 2022, Martírio de São João Batista, no Santuário Nacional de Aparecida, onde acontece a 59ª Assembleia Geral da CNBB. A seguir, o texto da homilia:

SAUDAÇÕES INICIAIS: Uma saudação muito especial a você, irmã ou irmão, que para além dos limites deste Santuário, em algum lugar, está em comunhão conosco pelos diversos meios de comunicação; Saúdo com muito afeto a vocês, irmãos e irmãs, presentes aqui no Santuário Nacional: — o senhor Núncio Apostólico, Dom Giambattista Diquattro; — os senhores Cardeais; os Arcebispos e os Bispos; — hoje, com uma saudação muito particular de acolhimento, espírito fraterno, alegria, esperança e gratidão, aos Bispos nomeados desde agosto de 2019, presentes aqui no presbitério. Bem-vindos!!! — Saúdo Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Aparecida; — os Presbíteros e os Diáconos Permanentes; — as Irmãs e os Irmãos de Vida Consagrada e os seminaristas; — os Secretários e as Secretárias Executivos dos nossos Regionais; — os assessores e assessoras das Comissões Episcopais; — os cristãos Leigos e Leigas: crianças, jovens e adultos. — Uma saudação especial de todos nós, aqui desde o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, a vocês que padecem sofrimento devido a doenças, solidão, abandono, pobreza, insegurança, aflição, violência, fome e desgaste pelos já longos anos vividos. Aqui nós os temos conosco em nossas orações.

Na celebração do martírio de São João Batista, ouvimos Jeremias, Profeta que exerceu seu ministério por volta de 600 anos antes de Cristo, tendo iniciado quando ainda jovem, com pouco mais de 20 anos de idade. Os tempos eram conturbados, tanto no âmbito político como no religioso. Reis ímpios haviam governado o país, erguendo altares a deuses estranhos. A reforma religiosa que se empreendeu encontrou resistências e não havia produzido os frutos desejados. Falando do chamado e da missão que recebeu de Deus, Jeremias faz pensar no mistério de toda vocação e da dimensão profética da nossa vocação.

Tudo começa com um encontro com Deus e com sua Palavra: “A Palavra do Senhor foi-me dirigida...” (v. 4). A partir de então, a vida do Profeta passa a ser decidida pela Palavra. É Deus que toma a iniciativa, escolhe e envia em missão. O profeta deve ir e comunicar tudo o que o Senhor mandar dizer, sem medo, enfrentando os grandes da Terra, contando apenas com a força de Deus. A vida de um profeta segue por caminhos de sofrimento, de risco, na solidão, em conflito com todos os que não têm compromisso com o bem e a Verdade. Porém, a última frase do texto que ouvimos ressoa forte e é um convite à confiança: “Eu estou contigo para defender-te”.

Ainda hoje Deus continua a contar com profetas para intervir no mundo e para recriar a história. No Batismo todos nós fomos ungidos profetas. Mas não há autêntica profecia sem encontro e proximidade com o Senhor e com a sua Palavra. Por isso, cuidado com os “falsos profetas”. O Profeta, atento a Deus e à realidade humana, que sabe escutar, meditar e contemplar, consegue discernir a vontade de Deus para saber falar e calar, para denunciar, admoestar e corrigir. A atividade profética, muitas vezes, atrai perseguição, sofrimento, desprezo e até mesmo a morte. Assim foi com João Batista.

Jesus de Nazaré havia iniciado o anúncio do Evangelho e já contava com o grupo dos Apóstolos e dos discípulos. Grande multidão o seguia. João Batista, por sua vez, havia concluído a missão que lhe fora confiada: abrir os caminhos do Senhor, preparando um povo digno, capaz de produzir frutos de boas obras. Portanto, passou pela vida fazendo o bem. Mas foi morto pelo ódio, pela maldade e pela ambição de quem não andava na luz da “verdade”.

Comentando o Evangelho proclamado há pouco, o Papa Francisco oferece uma sugestiva reflexão: P á g i n a | 3 “A vida dos mártires, diz o Papa, não é fácil de contar. O martírio é um serviço (um ato de quem oferece e doa a própria vida); é um ministério; é fazer da vida um dom muito especial e muito grande”. Em relação a João, o Rei tinha medo, gostava de ouvi-lo e o protegia de certa forma. Mas o mantinha na prisão. Estava indeciso. “Sabia que aquele homem era santo”. Mas não tinha liberdade interior para atender ao que João dizia e mudar de vida. Corrupto que era, tinha muita dificuldade para se libertar de seus vícios. Herodíades odiava João. "O ódio, diz o Papa é capaz de tudo; é uma grande força, é o sopro de satanás. Satanás não sabe amar, não pode amar. E essa mulher tinha o espírito satânico do ódio que destrói". Diante da dança de Salomé, Herodes "usa as mesmas palavras que Satanás usou para tentar Jesus: 'Se você me adorar eu lhe darei tudo, todo o reino'. “Por detrás desses personagens está o semeador de ódio na mulher, o semeador de vaidade na moça, o semeador de corrupção no Rei. E assim o 'maior homem nascido de uma mulher' acabou sozinho, em uma cela escura da prisão, por capricho de uma dançarina vaidosa, pelo ódio de uma mulher diabólica e pela corrupção de um rei indeciso.

João morre ali, na cela, no anonimato, "como tantos dos nossos mártires". “Eis o testemunho de um grande homem, um grande santo. A vida só tem valor quando é doada no amor e na verdade; quando é doada aos outros na vida cotidiana, na família. Quando transformada em dom continuado. Se alguém toma a vida para si mesmo, para guardá-la, como o rei em sua corrupção ou a senhora com o ódio, ou a menina, a jovem com sua própria vaidade, a vida morre, a vida acaba murchando, não se torna serviço. João deu a sua vida: 'Eu devo diminuir para que Ele seja ouvido, seja visto, para que Ele, o Senhor, se manifeste’”.

Na morte de João Batista se percebem a má consciência, a ambiguidade de fundo, a intriga, a fraqueza, o comprometimento e a injustiça. Todos esses elementos que encontraremos na paixão de Jesus, constituem a "cegueira" ou o "ódio do mundo" (Jo14,18). É essa situação de cegueira que leva inevitavelmente à injusta condenação do "justo".

Bento XVI afirmou que “Celebrar o martírio de São João Batista nos recorda, também a nós cristãos deste nosso tempo, que não se pode comprometer (ou adulterar) o amor a Cristo, o amor à sua Palavra e o amor à Verdade”.

4 Santo Agostinho afirma que, “Considerando a graça e as virtudes do Batista, a humildade constitui o seu maior mérito porque teria podido enganar as pessoas do seu tempo, fazendo-se passar por Cristo. Mas preferiu declarar abertamente: “Eu não sou o Cristo e nem mesmo Elias” (cf. Jo 1,20-21). “É necessário que Ele cresça, e eu diminua” (Jo 3,30).

Mártir da verdade, o Batista foi o primeiro santo canonizado ainda em vida pelo próprio Jesus, que se referiu a ele dizendo: “Entre os nascidos de mulher, não há maior que João” (Lc 7, 28).

Jesus já havia alertado que do fracasso nasce a vida, de modo sempre mais forte e inesperado. Disse: “Coragem, eu venci o mundo!”. Para o discípulo, essa é uma afirmação de incontestável esperança na promessa de Deus, que, como em Jesus, também nele vence a morte. Nessa esperança, o discípulo participa da morte de Cristo, para participar de sua ressurreição (Fl 3,10; Rm 6,45s; 8,11.17b).

Vai chegando ao fim este Mês Vocacional, que tem suas atividades alicerçadas sobre a certeza de que Cristo está vivo e sobre a experiência de ter visto Jesus. O Ano Vocacional de 2023 para todo o Brasil, com início oficial previsto para a Festa de Cristo-Rei, no próximo dia 20 de novembro, faça arder, desde já, no coração de todos nós aquele ardor profético que animava João Batista. Maria, nossa Mãe, rogue por nós para que vivamos a fidelidade em todos os momentos de nossa vida, em especial quando se tornar particularmente exigente.

São João Batista, rogai por nós!

Foto cedida