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HUMILDADE E GRATIDÃO NA VIVÊNCIA DO MINISTÉRIO DIACONAL

02/09/2022

HUMILDADE E GRATIDÃO NA VIVÊNCIA DO MINISTÉRIO DIACONAL

* Prof. Elpídio Macário da Silva Júnior

Quando somos batizados recebemos a graça santificante e, por meio dela, nos tornamos filhos de Deus. Entretanto, a graça da filiação adotiva é um elemento estático que afeta o ser, ou seja, nos faz filhos, mas não, pelo menos não diretamente, o agir. Para agir como filhos de Deus, recebemos as virtudes, elemento dinâmico da vida espiritual, que acompanham a graça santificante, e que, conforme definição tradicional, são hábitos operativos da alma que faz o homem agir de modo rápido, fácil e prazeroso.

Duas virtudes são fundamentais, embora não sejam as mais excelentes, para o nosso edifício espiritual, são elas, humildade, que possui a função de frear nossa tendência desordenada a elevar-nos a nós mesmos acima do devido mérito e, agindo assim, nos dá o reto conhecimento da nossa fragilidade, debilidade e insuficiência diante de Deus, e a gratuidade ou gratidão que nos possibilita agir de forma desinteressada, reconhecendo que fomos alcançados por uma graça infinita de Deus, louvando-O em razão desse agir divino e vinculando-nos a retribuir o bem recebido na pessoa dos irmãos que refletem a bondade do Altíssimo e são capazes de participar da bem-aventurança eterna.

No XXII Domingo do Tempo Comum a liturgia nos apontou elas: Humildade e gratuidade. Essas virtudes devem refulgir com mais intensidade nos ministros ordenados, de forma especial os diáconos não podem tirá-las do seu horizonte de atuação ministerial por diversas razões. No entanto, hoje elenco apenas duas, uma no contexto eclesial-social brasileiro, a resistência ao ministério restaurado pelo Concílio Vaticano II e o quase completo esquecimento dos diáconos pelas comunidades, incluindo boa parte dos presbíteros e outra no âmbito teológico/doutrinário, a marginalização teológica. Nesse sentido, segue-se um esboço panorâmico da realidade ministerial diaconal no Brasil.

O número de diáconos permanentes cresce vertiginosamente na Terra de Santa Cruz. Hodiernamente há 4.371 diáconos filiados à Comissão Nacional dos Diáconos (CND)1, sem falar nos que ainda não se filiaram, e, apesar de testemunhos como o do Arcebispo Emérito de Goiânia, Dom Washington Cruz, que afirmou “com alegria que nossos queridos diáconos têm feito um imenso bem para a Igreja”2 e  do Papa Francisco quando disse que “a Igreja encontra no diaconato permanente a expressão e, ao mesmo tempo, o impulso vital para se fazer sinal visível da diaconia de Cristo Servo na história dos homens”3, a realidade eclesial social brasileira está afetada pela visão utilitarista das coisas e das pessoas. E a ciência desse olhar desordenado não pode passar longe tanto do vocacionado ao diaconato quanto do próprio diácono, sob o risco de se enganar sobre o ministério que está postulando ou exercendo.

Nota-se isso (visão utilitarista das coisas e das pessoas), sobretudo, nas relações interpessoais dos ministros ordenados. Pe. Valter Maurício Goedert identificou bem ao citar o artigo “Por que o diaconato não deslancha?” de Padre Pio Milpacher. Para Milpacher, frente a perspectiva do diaconato. Muitos padres afirmam: tudo isso pode ser feito por leigos, sem necessidade de diáconos! (...) É necessário desclericalizar a Igreja, não clericalizá-la mais; toda a Igreja deve ser ministerial; não vamos promover só alguns; os leigos quando não servem mais se substituem, enquanto o diácono é ordenado para o resto da vida. (...) Há quem suspeite que essas dificuldades sejam para alguns uma cortina para encobrir uma outra razão: Porque, assim, todo o poder continua com eles e podem chutar os leigos que incomodam, como e quando querem. Os diáconos, fazendo parte do clero, partilhariam direitos garantidos.4

Essa compreensão pautada na utilidade por parte de alguns presbíteros, conforme Milpacher (apud GOEDERT 2020, p. 46), exerce influência sobre o leigo que em algumas oportunidades observam o diácono como um adversário que tomou seu lugar. Que pena essa compreensão, pois “o diácono não rouba o lugar de ninguém, precisamente porque está ocupando o lugar que é seu e que os percalços da história lhe subtraíram” (GOEDERT, 2020, p. 46).

Mas não somente resistência o diácono permanente sofre, também aguenta o esquecimento. Da parte dos irmãos leigos isso tem vários fatores compreensivos, dentre eles, a falta de tradição legal e a prática do diaconato na comunidade paroquial. Mas o que explica o esquecimento por parte dos irmãos ordenados? Dia 04 de agosto foi comemorado, com a memória de São João Maria Vianey, o dia do padre. Diversas manifestações de carinho e incentivos foram direcionadas, merecidamente, aos nossos sacerdotes, por leigos e bispos. E louvado seja Deus pela vida de cada um deles, pois a “a Igreja vive da Eucaristia”5. Outro dia importante no calendário litúrgico brasileiro em relação ao sacramento da ordem é a memória de São Lourenço, diácono, celebrada em 10 de agosto. No entanto, quase não se viu incentivo à sua prática ministerial. Há dioceses que o epíscopo sequer dirigiu um período textual de incentivo aos seus diáconos. Qual seria o motivo do esquecimento por parte daqueles que deveriam cultivar a fraternidade e zelar como um pai? A resposta só pode ser dada pelos reverendos.

Outro desafio vivenciado por esses servidores se encontra no campo acadêmico e magisterial, isto é, há pouca atenção teórica/teológica a esse ministério. Bem afirmou Gisbert Greshake (apud MÜHL 2019, p. 193) que “o diácono é, em boa parte, aquilo que ele, nas Missas com a assistência do diácono, proclama depois da transformação das espécies, um mysterium fidei”6.   Embora o número crescente de diáconos na Igreja do Brasil, esse não é acompanhado por uma florescente reflexão teológica e pode-se notar isso quando se estuda o sacramento da ordem, seja nos seminários ou mesmo em escolas diaconais, pois ao grau inicial da ordem é destinado, se muito, a uma página e meia. Justiça seja feita, essa luta no campo acadêmico está sendo travada por alguns diáconos, são eles: Duran y Duran, Julio Cesar Bendinelli, Luciano Rocha e tantos outros.

Questões legítimas são levantadas e poucas respostas são recebidas. Querem ver uma? A Lumen Gentium nº10 afirma que há diferencia essencial e não só em grau entre o sacerdócio comum (leigos) e ministerial (ministros ordenados). Bom... O diácono não é leigo, conforme doutrina magisterial. Mas ao mesmo tempo a Igreja diz que aos diáconos são impostas as mãos "não para o sacerdócio, mas para o serviço" (Catecismo da Igreja Católica, §1569)7. Como explicar isso? Conhecem alguma comissão organizada pela Igreja para refletir seriamente sobre isso, uma vez que o sacerdócio do diácono é ontologicamente diferente do sacerdócio dos demais fiéis? Ou será que fundamentam o sacerdócio dos diáconos como comum? Um dos frutos dessa marginalização teológica é que “colocá-los ao lado dos leigos no que se refere ao sacerdócio batismal significa concebê-lo sociologicamente distante dos demais clérigos”8, conforme apontou o PhD diácono Luciano Rocha.

Apresentado o panorama eclesial dos diáconos brasileiros, devemos reforçar aos vocacionados e diáconos permanentes as virtudes da humildade e da gratidão. Homem nenhum pense caminhar em direção a esse ministério tendo em vista o próprio engrandecimento, pois os diáconos não vieram ao mundo para serem conhecidos, mas para testemunhar Cristo, diácono do Pai. A esses servos só posso dizer: olhem para Cristo como modelo, pois Ele sendo a Luz “que ilumina todo homem” (Jo 1, 9) não foi recebido pelos seus. Além disso, apesar da marginalização teológica, sejam gratos. Reconheçam, portanto, que foram alcançados por uma graça imerecida e que esse influxo do poder de Deus os vincula a alcançarem os que mais necessitam da presença da Igreja, seja na periferia ou nos bairros nobres, com suprimento material, mas também espiritual.

Coragem! O Senhor está com todos vocês até o fim dos tempos.

* (Candidato ao Diaconato Permanente pela Diocese de Cristalândia (TO). Licenciado em Letras: Língua Portuguesa e Língua Inglesa e suas respectivas literaturas. Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa. Especialista em Filosofia Contemporânea. Especialista em Teologia Bíblica). 

REFERÊNCIAS

  1. Disponível em: https://cnd.org.br/diaconos. Acessado em 31 de agosto de 2022.
  2. ORIOLO, Edson. Ser Diácono. São Paulo, 2018, p. 10.
  3. ENZO PETROLINO. O diaconato no pensamento do Papa Francisco: Uma Igreja pobre para os pobres. Brasília: Edições CNBB, 2019, p.14.
  4. GOEDERT, Valter Maurício. O diaconato permanente: perspectivas teológico-pastorais. 2. ed. São Paulo, 2020, p. 46.
  5. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_20030417_eccl-de-euch.html. Acessado em 31 de agosto de 2022.
  6. MANFRED HAUKE, HELMUT HOPING. O perfil específico do diaconato. Brasília: Edições CNBB, 2019, p.193.
  7. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p2s2cap3_1533-1666_po.html. Acessado em 01 de setembro de 2022.
  8. PINTO, Luciano Rocha. Ministério Diaconal: história e teologia. São Paulo: Paulus, 2020, p.269.