Maria: companheira na Paixão, cooperadora na Redenção
27/08/2022
(Título inspirado na afirmação de Santo Alberto Magno.)
Escrito por: Elpídio Macário da Silva Júnior
(Candidato ao Diaconato Permanente pela Diocese de Cristalândia (TO). Licenciado em Letras: Língua Portuguesa e Língua Inglesa e suas respectivas literaturas. Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa. Especialista em Filosofia Contemporânea. Especialista em Teologia Bíblica).
Caros diáconos, sabe-se, por meio da revelação, que acontecido o pecado de Adão, a encarnação de Cristo se realizou com objetivo redentor, ou seja, para reconciliar-nos com Deus e abrir-nos as portas do céu, que estavam fechadas pelo pecado. Na profissão de fé Niceno-Constantinopolitana é possível observar o que ora se afirma: Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos. (...) E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus, e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado. (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, §184)
Quanto a isso convém reafirmar que pela sua Paixão Cristo mereceu por todos os homens todas as graças que receberam ou receberão de Deus. Também por meio de sua Paixão Ele é causa de reparação/ satisfação de todos os pecados, possibilitando a salvação. Santo Tomás de Aquino ensina que a redenção realizada por Cristo, por meio de sua Paixão, foi conveniente em razão de sua misericórdia e justiça. Vejamos o que diz o doutor comum: Liberar o homem pela Paixão de Cristo, convinha tanto à misericórdia como à justiça de Cristo. À justiça, porque com a sua paixão Cristo satisfez pelo pecado do gênero humano; e assim o homem foi liberado pela justiça de Cristo. À misericórdia, por sua vez, porque, não podendo o homem por si mesmo satisfazer pelo pecado de toda a natureza humana, como se disse, Deus lhe deu o seu Filho único como reparador. (S.Th. III, q. 46, 1, ad 3.)
Levando em consideração o que afirma o aquinate, reverendíssimos diáconos, o ato realizado por Cristo, isto é, a redenção, por ser de natureza teândrica, foi infinito, principal, suficiente por si só, independente e absolutamente necessário. Diante dos atributos apresentados, seria possível falar da Cruz de Cristo, de seu Mistério Redentor, afirmando também a corredenção de Maria Santíssima nesse grande Mistério?
Para obter a resposta do questionamento supramencionado, observaremos: O que significa o termo “Corredentora” e seu caminho até a primeira aparição do termo. Vale destacar que, esse é o primeiro texto de uma série de quatro outros que abordarão o tema da Corredenção. Para isso serão utilizados como suportes teóricos os seguintes autores: Pe. Antonio Royo Marín, O.P. (2020), Candido Pozo (2005), Pe. Gabriel Roschini, O.S.M. (1960), Pe. Manfred Hauke (2021) e Pe. R. Garrigou-Lagrange, O.P. (2017).
1 SIGNIFICADO E CAMINHO ATÉ A PRIMEIRA APARIÇÃO DO TERMO
Um passo importante ao se olhar para a realidade da cooperação/corredenção de Maria na obra da Redenção é definir o significado do termo. Pode parecer algo de menor importância, entretanto, levando em consideração que a teologia não possui sintaxe própria, tampouco morfologia, mas um campo semântico bastante específico, faz-se necessário ser o mais claro possível, a fim de que o texto não perca seu carácter essencial de inteligibilidade e, até os não iniciados nas disciplinas teológicas, tenham condição de compreender o que ora se discute.
A palavra redenção vem do termo redimir que em latim é redimere e possui significado literal “comprar de volta”. Esse vocábulo, segundo Pe. Antonio Royo Marín (2020, p. 149), “Aplicado à redenção do mundo, significa, própria e formalmente, a recuperação do homem ao estado de justiça e de salvação, resgatando-o do estado de injustiça e de condenação no qual havia se submergido pelo pecado, mediante o pagamento do preço do resgate: o sangue de Cristo Redentor, oferecido por Ele ao Pai.”
Aplicando à etimologia da palavra redimir o prefixo co, que exprime ideia de união, companhia, pode-se afirmar, em mariologia, a participação correlata de Maria Santíssima na obra da redenção do gênero humano, operada mediante o sacrifício de Cristo. Pe. Gabriel Roschini (1960, p. 85) ensina que o significado de Corredentora atribuído a Maria nada mais diz senão “que Ela cooperou real e imediatamente com Jesus, Redentor Divino, na obra grandiosa da redenção dos homens, satisfazendo com Ele perante a justiça divina, ofendida pelo pecado de Adão, e merecendo com Ele todas as· graças da redenção”.
Assim, pode-se afirmar que o termo, em si mesmo, não possui outra definição ou expressa outra significação que a cooperação na Redenção, realizada – objetivamente – pelo Verbo Encarnado. Cabe-se investigar, agora, qual foi o caminho até a primeira aparição do termo, percorrendo, mas não esgotando, desde o período da Igreja Antiga até o século XV.
Conforme ensina o professor de teologia dogmática na Faculdade de Lugano e membro da Pontifícia Academia Mariana Internacional, Dr. Pe. Manfred Hauke (2021, p. 272) “na Igreja Antiga, a participação de Maria na Redenção aparece, sobretudo, sob o título de ‘Nova Eva’ e ‘Mãe de Deus’”. Essa forma dos cristãos dos primeiros séculos de referir-se à Maria se deu não apenas por ter concebido e dado à luz a Cristo Jesus de modo físico, mas por ter cooperado, com seu consentimento, ou seja, moralmente com a missão do Filho, associando-se ao mistério da Cruz.
Destaca-se o testemunho de Santo Irineu de Lião que ao fazer um paralelismo entre Maria e Eva afirma: Da mesma forma, encontramos Maria, a Virgem obediente, que diz: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”, e, em contraste, Eva, que desobedeceu quando ainda era virgem. (...) Assim Maria, tendo por esposo quem lhe fora predestinado e sendo virgem, pela sua obediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa da salvação. É por isso que a Lei chama a que é noiva, se ainda virgem, de esposa daquele que a tomou por noiva, para indicar o influxo que se opera de Maria sobre Eva. (...) O nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, e o que Eva amarrara pela sua incredulidade Maria soltou pela sua fé. (IRINEU DE LIÃO, Contra as Heresias III, 22, 4, 2018, p. 200, grifo nosso)
A causa de salvação, conforme afirmado por Santo Irineu, não deve ser entendido no sentido de ser causa primária, mas sim, como causa secundária. Pe Réginald Garrigou-Lagrange (2017, 148) comentando o fiat diz que esse “era todo de Deus como causa primeira, e todo inteiro de Maria como causa segunda. Assim como uma flor ou um fruto são todo inteiros de Deus, como autor da natureza, e todo inteiros da árvore que os carrega”.
Importa citar ainda a oração composta pelo diácono Santo Efrém (apud GARRIGOU-LAGRANGE, 2017, p. 162, itálico nosso) que no século IV diz: “‘Ave Dei et hominum Mediatrix optima. Ave totius orbis conciliatrix eficacíssima, post mediatorem mediatrix totius mundi’. Ave, medianeira do mundo inteiro, reconciliadora boníssima e poderosíssima, depois do Mediador supremo”.
Padre Manfred Hauke (2021, pp. 272-273, grifo nosso) afirma ainda que “Depois do século X, Maria recebe ocasionalmente o título de “redentora” (redemptrix) para reafirmar o seu papel enquanto Mãe do Redentor. (...) No século XII, particularmente com São Bernardo, aprofunda-se na meditação piedosa a função de Maria aos pés da cruz. No seu coração, a Mãe de Deus sofreu a Paixão que o Filho sofreu no corpo (Arnaldo de Bonneval)”.
Na contemplação da Paixão se insere também a primeira aparição do termo co-redentora (corredemptrix) em um hino do século XV, encontrado em um manuscrito em Salzburgo (Áustria):
Pia, doce e benigna,
Que de nenhuma dor és digna
Se daqui o pranto extirpas
Padecente com o Redentor
Pelo escravo transgressor
Tu serás co-redentora
Dessa maneira, pôde-se observar, brevemente - mediante o testemunho dos cristãos da Igreja Antiga, bem como os dos séculos subsequentes, o significado e o caminho até a primeira aparição do termo Corredentora. Mas, em que fontes se apoiam a afirmação da corredenção de Maria? A resposta para essa pergunta encontraremos no próximo texto. Acompanhe e indique a leitura desse aos outros diáconos e amigos.