O DIACONATO E AS SAGRADAS ESCRITURAS
20/09/2024
Diácono Jorge Luís Lopes dos Santos - Arquidiocese de Juiz de Fora (MG)
Neste mês de setembro, a Igreja celebra o “mês da Bíblia” em homenagem a São Jerônimo, um dos principais responsáveis pela tradução das Escrituras do hebraico e do grego para o latim, conhecida como Vulgata, no século V d.C. Este período convida todos os católicos a aprofundarem sua relação com a Palavra de Deus. A partir disso, neste texto, queremos refletir sobre a íntima relação entre o diaconato e a Palavra de Deus, uma vez que os diáconos são chamados, dentre outras coisas, a exercer a diaconia da Palavra desde o momento de sua ordenação, para o crescimento e a santificação do povo de Deus.
“Recebe o Evangelho de Cristo, do qual fostes constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina aquilo que credes e procura realizar o que ensinares” (Pontifical, 2002, n. 238). Com essas palavras, o bispo ordenante entrega aos neodiáconos o livro dos Evangelhos no dia da ordenação diaconal, simbolizando que, a partir daquele momento, o diácono se torna mensageiro do Evangelho, com a missão de pregar, ensinar e viver a Palavra de Cristo, tornando-se assim “arauto e servidor da Palavra” (Bendinelli, 2009, p. 190). Aqui observamos uma dinâmica significativa na vida e no exercício diaconal, entre o neodiácono e a Palavra. A base dessa dinâmica é a leitura, pois o diácono é chamado a ler a Palavra, e essa leitura deve se converter em fé, caracterizada como “viva”. Isso porque o diácono é chamado a pregar um Cristo vivo, e sua fé também deve ser igualmente viva, manifestando-se nos diversos aspectos de sua vida. O que é crido através da leitura e da fé deve ser ensinado pelo diácono, que não deve reter a boa nova de Cristo, mas sim levá-la aos que mais necessitam, uma vez que foi ordenado também para essa tarefa. No entanto, o ensinamento transmitido deve, primeiramente, ser obedecido pelo próprio diácono, para que o ensino não se torne hipócrita, a fé viva não se torne morta e o ministério diaconal não se torne infrutífero. Há aqui um desejo, mas também um alerta, para que a dinâmica da Palavra seja sempre viva no coração do diácono para que seu ministério seja sempre fecundo para a Igreja.
Essa dinâmica demonstra que o ministério diaconal está intrinsecamente ligado à Palavra de Deus. Deste modo, é confiado ao diácono o múnus docendi, que se expressa no “serviço à mesa da Palavra através do anúncio, da catequese e da pregação” (Pinto, 2017, p. 89). Ou seja, os diáconos são chamados a levar a Palavra de Deus, tornando-se verdadeiros “Homens da Palavra” por ocasião da ordenação. De acordo com a constituição dogmática Lumen Gentium, n. 29, os diáconos são chamados a servir o povo de Deus na “diaconia da Liturgia, da Palavra e da Caridade”. Como veremos, a atuação dos diáconos na liturgia está marcada pela presença da Palavra de Deus, especialmente no que diz respeito ao seu anúncio. Outro aspecto importante na vivência diaconal é a caridade, que é essencial na vida do diácono, particularmente no que tange ao anúncio da Palavra. Esse anúncio deve ser feito com caridade, ou seja, com um amor ardente por Deus e pela pessoa que recebe o anúncio, visando que ela experimente a salvação. Esse é o maior ato de caridade que o diácono pode realizar: apresentar Cristo por meio da Palavra. Levando isso em consideração, em sua vivência litúrgica e na caridade, o diácono está sempre próximo da Palavra, expressando assim o seu múnus docendi. Assim, por meio da Palavra, os diáconos representam Cristo, que continua a falar à sua Igreja nos dias de hoje (Bendinelli, 2016, p. 161), visto que através do seu múnus docendi, os diáconos, “ao proclamar[em] o Evangelho, é Cristo in persona que fala” (Pinto, 2017, p. 96).
A correlação entre o ministério diaconal e a pregação da Palavra de Deus pode ser percebida desde os tempos apostólicos. O diácono Filipe, inspirado por Deus, ensinou e explicou ao eunuco etíope — que desejava ardentemente alguém que o ajudasse a compreender as Escrituras — o texto presente no Livro do profeta Isaías, que prenunciava a missão salvadora de Cristo (cf. Atos 8,30). Também o diácono Estêvão, “cheio de graça e fortaleza” (Atos 6,8), anunciou o plano salvífico de Deus por meio de Jesus, desde o Antigo Testamento até o pleno cumprimento de sua ressurreição, demonstrando que Jesus, rejeitado e morto pelos judeus, era o Cristo de Deus (cf. Atos 7, 1-53). Isso causou grande ira nos que ouviram suas palavras, a ponto de Estêvão ser martirizado por seu testemunho de Cristo.
Deste modo, os diáconos Filipe e Estêvão foram levantados por Deus para serem mestres e esclarecedores da Palavra de Deus. Da mesma forma, os diáconos hoje são chamados pela Igreja, através de seu múnus, a serem “mestres, enquanto proclamam e esclarecem a Palavra de Deus” (Congregação para o Clero, Diretório do ministério e da vida dos diáconos permanentes Diaconatus originem (22 de fevereiro de 1998), n. 22: l.c., p. 889).
Diante da compreensão do diácono como clérigo intimamente marcado para o anúncio, ensino e vivência da Palavra, a Igreja, em sua sabedoria, demonstra tal realidade por meio de seus ritos. Nas liturgias solenes, especialmente as celebradas pelo bispo, é função do diácono levar, na procissão de entrada, o livro dos Evangelhos. É também norma da Igreja que, nas Missas com diáconos, estes sejam os responsáveis pela proclamação do Evangelho. Além disso, quando oportuno e conforme as normas da Igreja, o diácono é chamado a presidir a Celebração da Palavra, onde exerce publicamente sua função de mestre e esclarecedor das Escrituras Sagradas. Por meio da homilia, ocorre o “anúncio das maravilhas realizadas por Deus no mistério de Cristo, presente e operante sobretudo nas celebrações litúrgicas” (Conc. Ecum. Vat. II, Const. Sacrosanctum Concilium, 35; cf. 52; C.I.C., cân. 767, § 1). Nos sacramentos próprios de serem administrados pelos diáconos, Batismo e Matrimônio, também há a necessidade de leitura e pregação da Palavra como meio de edificação e santificação do povo de Deus. Assim, o Evangelho recebido pelos diáconos em sua ordenação os acompanha em todo o exercício de sua vida sacramental, sempre recordando o caráter evangélico da missão diaconal.
Enriquecidos por essa reflexão, que os diáconos possam sempre recordar a Palavra que lhes foi entregue no dia de sua ordenação, para que, não apenas no exercício litúrgico e sacramental, mas também em suas vivências cotidianas, em seus trabalhos, afazeres e no meio familiar, sejam verdadeiramente homens evangélicos, comprometidos com os valores da Palavra de Deus. Que, por meio da diaconia da Palavra, o anúncio do Evangelho chegue cada vez mais aos corações necessitados de ouvir a Palavra de Cristo. Assim, que os diáconos possam dizer, como o salmista: “Minha alegria é fazer vossa vontade; eu não posso esquecer vossa Palavra” (Salmo 118,16).
* Diácono Jorge Luís (Tuite)- Arquidiocese de Juiz de Fora (MG)
Referências
BENDINELLI, Júlio Cesar. Servidor da mesa da Palavra de Deus: estudo teológico-pastoral sobre o ministério do diácono permanente. 2016. Tese (Doutorado em Teologia) – Departamento de Teologia, Programa de Pós-Graduação em Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
BENDINELLI, Júlio. O diácono permanente: servidor da mesa da palavra e mensageiro do evangelho de Cristo. Revista Teocomunicação, v. 39, n. 2, p. 172-192, 2009.
BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
CATECISMO da Igreja Católica (CEC). São Paulo: Loyola, 2000.
CONCÍLIO Ecumênico Vaticano II. Constituição dogmática Sacrosanctum Concilium, 35; cf. 52; C.I.C.
CONCÍLIO Ecumênico Vaticano II. Constituição dogmática Lumen Gentium (21 nov. 1964). In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2001.
CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório do ministério e da vida dos diáconos permanentes Diaconatus originem (22 de fevereiro de 1998), n. 22: l.c.
PINTO, Luciano Rocha. Mensa verbi Dei: o ministério diaconal da palavra de Deus. Revista Coletânea, v. 16, n. 31, p. 81-103, 2017.
PONTIFICAL Romano. Ritual de Ordenação de bispos, presbíteros e diáconos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002.