Passando por agosto
01/05/2009
Diácono Juranir Rossatti Machado
Há gente que tem medo do mês de agosto, nome dado pelos romanos ao oitavo mês em homenagem ao Imperador Augusto (Roma 63 a.C. – Nola 14 d.C.), “quando estavam acontecendo os mais importantes fatos de sua vida, destacando-se, dentre os principais, a conquista do Egito e sua elevação à dignidade de cônsul” (http://www.universia.com.br). Coitadinho dele! Do Imperador, não; do mês!
É desconhecida a origem da superstição internacional de que agosto é um mês azarento. Há fatos curiosos relacionados a essa crendice. Rapidinho, vejamos alguns. Entre as mulheres portuguesas não ocorriam com frequência casamentos durante esse mês. A mulher acreditava que corria o risco de ficar só, sem lua-de-mel. Era grande o risco de tornar-se viúva. Na Argentina, “não é aconselhável lavar a cabeça durante todo o mês de agosto”, pois o ato significa chamar a morte (http://www.universia.com.br). É claro que não estamos diante de uma crendice totalmente universal. Na Alemanha, por exemplo, as mulheres, por não acreditarem no poder mágico da superstição, sonham casar no mês de agosto.
O que ajuda a sustentação da idéia de que agosto é mês de desgosto são os registros históricos de desastres e outros fatos ruins ocorridos durante esse período do ano. De modo sucinto, citemos alguns episódios. No dia 24 de agosto de 1572, ocorreu o massacre de São Bartolomeu, sob as ordens de Catarina de Medice; em 14 de agosto de 1831, muitos poloneses, vencidos pelos russos na revolta de Varsóvia, foram enterrados com seus sonhos de liberdade. A Primeira Grande Guerra Mundial, cujos efeitos sentimos até hoje, começou exatamente no primeiro dia de agosto de 1914. Entre nós, os mais velhos se lembram de que o suicídio do então presidente da República Getúlio Vargas ocorreu na manhã do dia 24 de agosto de 1954.
Quem quiser alimentar sua curiosidade sobre outros desastres e fatos ruins, consulte a INTERNET; mas primeiro pergunte a si mesmo se vale a pena. Nada contra a aquisição de conhecimentos. Com certeza, vale muito mais a pena consultar a Sagrada Escritura a respeito da existência dos males na humanidade. A vida é tecida de tragédias e fatos desagradáveis, diante dos quais, não poucas vezes, o homem não está isento de responsabilidade. É o que nos lembra Eclesiastes 3, 1-8. Em qualquer época do ano, o nosso dia a dia é marcado por situações profundamente constrangedoras e desafiadoras. Como cristão e cidadão, o que fazer diante delas é o que deve interessar a cada um de nós!
Por alguns instantes, relembremos o significado de superstição, recorrendo ao nossos dicionários e também ao Catecismo da Igreja Católica.
No latim eclesiástico (superstitio, onis), significa “falsa crença, temor reverencioso de certos objetos, gestos, palavras, animais considerados capazes de dar azar”. É o que coloca para nós o Grande Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Silveira Bueno. Atribui-se a todos esses elementos “uma força que por sua própria natureza não possuem”. Acentua o Dicionário Enciclopédico da Bíblia (Ed. Vozes), em seus breves comentários sobre o verbete, dizendo-nos logo a seguir: “Em Israel a superstição era muito comum, manifestando-se no uso de amuletos, em necromancia, adivinhação e feitiçaria. Também a um determinado modo de cortar os cabelos e a certos ritos fúnebres dava-se sentido supersticioso; e foi por superstição, talvez que se praticava o encantamento de cobras (Sl 58, 5s).” Para o autor desses comentários, apoiando-se em Jer 7, 4 e Miq 3, 11, “a confiança dos israelitas na indelebilidade do templo de Jerusalém” está entre os exemplos de superstição ao lado de “sacrifícios de crianças a Moloc” (2Rs 21, 6). O autor não deixa de apontar para Dt 18, 10-12, onde se “condena com a maior severidade todas essas práticas”.
Merecem cuidadosa leitura os números 2110 e 2111 do Catecismo da Igreja Romana. No primeiro, depois de sua orientação de que o primeiro mandamento de Deus “proíbe prestar honra a outros deuses afora o único Senhor que se revelou a seu povo”, diz-nos que este mandamento proscreve a superstição e a irreligião. Assegura-nos: “A superstição representa de certo modo um excesso perverso da religião; a irreligião é um vício oposto por deficiência à virtude da religião”. Se essas palavras merecem cuidadosa leitura, cuidado igual ou maior deve ser dado à leitura do número 2111, que transcrevemos integralmente: “A superstição é o desvio do sentimento religioso e das práticas que ele impõe. Pode afetar também o culto que prestamos ao verdadeiro Deus, por exemplo: quando atribuímos uma importância de alguma maneira mágica a certas práticas, em si mesmas legítimas ou necessárias. Atribuímos eficácia exclusivamente à materialidade das orações ou dos sinais sacramentais, sem levar em conta as disposições interiores que exigem, é cair na superstição.” Diante dessas palavras da Igreja, precisamos questionar práticas religiosas, especialmente aquelas que deitam raízes na dimensão devocional. Com que disposições interiores solicitamos, por exemplo, bênçãos de casa, de objetos, de imagens de santos etc.? Com que disposições interiores, fazemos desfilar em nossos dedos as contas do rosário? Como fica nosso emocional quando percebemos que o número de Ave-Marias não foi completo em um ou outro mistério? Quais são as mais profundas motivações que nos levam à mesa da comunhão eucarística? Que tipo de relacionamento estabeleço com “medalhas milagrosas”? Que poder eu vejo nelas? Quais as razões que os pais têm ao conduzirem seus filhos à pia batismal? A quem interessa realmente a 1ª Comunhão Eucarística de nossas crianças? Não poucas vezes, a sua realização não está fundamentada na fé; mas em aspectos exclusivamente sociais! Diante dessas rápidas considerações acerca do sentido de superstição, visto agora como “um desvio do culto que rendemos ao verdadeiro Deus” (CAIC 2138), motive-se e continue seu discernimento!
Não devemos confundir superstições ou crendices, totalmente despojadas de conteúdo bíblico-teológico e absolutamente afastadas de uma dimensão litúrgica, com determinadas práticas da religiosidade popular, que constituem frutos da diversidade do contexto sociocultural e são estudados pela antropologia religiosa. Como Evangelli nuntiandi nos assegura, existe na religiosidade popular “uma sede de Deus que só os simples e os pobres podem conhecer”. No Dicionário de Espiritualidade (Edições Paulinas / Edições Paulistas), no artigo Religiosidade Popular, colhemos estas palavras: “sociólogos, antropólogos e teólogos nos ajudaram a compreender que as festas religiosas dos pobres, longe de se traduzirem através de superficialidades exteriores, correspondem às suas profundas exigências e constituem “celebração” rica em símbolos, em fantasia criadora e em “teologia narrativa”, que seria autêntica infelicidade ignorar ou repelir, por causa de tais aspectos espúrios inegáveis, porém não isoláveis de maneira abstrata, que se acham presentes nas festas” (G. Mattai).
Voltemos a considerar, em nossas linhas finais, o conceito de superstição ou crendice que salientamos acima, tendo principalmente diante de nós o mês de agosto como o mês azarento, o mês dos desgostos!
Falando sério: o cristão que se deixa influenciar pela superstição ou crendice não demonstra maturidade em sua fé. Ela, a fé, vive no mundo das idéias e não na vida. Não provocou a pascoalização. O Salmista nos convida a bendizer o Senhor em todo o tempo (Sl 33/34, 2) e é o que nós precisamos praticar, tendo em vista de modo especialíssimo o Mistério da Encarnação (Lc 1, 26-38), através do qual a fé sadia se firma na certeza de que Deus, o Senhor dos Tempos, assumiu a natureza humana e penetrou no tempo dos homens. O nosso tempo é tempo assumido pela Santíssima Trindade e essa presença trinitária o tornou santo. Não é por esse caminho que nos conduzem também as palavras de Paulo em Gálatas 4, 4-7. Vale a pena acessar a Sagrada Escritura e entrar no GOOGLE dos ensinamentos da Igreja, firmados na autêntica interpretação da própria Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja.
As superstições ou crendices desaparecem diante da construção de relações trinitárias. Construção autêntica a nortear nossas atitudes vitais e a vivência de nossa religiosidade. Para nós, dentro da dimensão da fé cristã, essas relações dizem respeito à presença do Pai, do Filho e do Espírito Santo em nossa vida pessoal, grupal, comunitária e societária. Em outras palavras: viver trinitariamente consigo mesmo, com os outros e com o mundo é trazer realmente Deus para o centro de nossa vida! Com isso, podemos deletar as equivocadas idéias acerca do oitavo mês e VIVER O MÊS DE AGOSTO A GOSTO DE DEUS e vermos nele os sinais que nos direcionam para a santidade! Não viver apenas o oitavo mês do ano na realização da vontade de Deus; mas, sim, viver a vida!
Diác. Juranir é presidente da CRD Leste I e membro da ENAP-Equipe Nacional de Assessoria Pedagógica da CND.
Data do artigo: maio de 2009