PEREGRINAÇÃO, UM SENTIDO PARA O CAMINHAR
27/09/2024
Diácono Alberto Magno Carvalho de Melo - Arquidiocese de Brasilia (DF)
Assessor de Relações Internacionais da CND/BRASIL
“Oh que sensação saber que as pedras sobre as quais caminho em Nazaré são as que tocaram o seu pé, quando ainda era ela o Teu lugar, único no mundo” (K. Wojtyla, 1993).
A peregrinação é um fenômeno religioso que remonta a antiguidade. Na Bíblia há o relato de Abrão que, por ordem divina, deixa sua terra. Os judeus uma vez por ano deviam comparecer ao Templo de Jerusalém para os sacrifícios de expiação e ação de graças. Os muçulmanos pelo menos uma vez na vida devem visitar a cidade sagrada, Meca. Budistas se dirigem a Lumbini, no Nepal, cidade natal de Buda e a cidades da Índia como Bodigaia, onde Buda alcançou a iluminação e tantos outros lugares significativos para eles. Os cristãos acorrem aos lugares tidos como sagrados por estarem ligados a Jesus de Nazaré na Terra Santa (Israel), a aparições marianas, a algum santo de devoção ou de importância para a história da Igreja.
Vê-se que a peregrinação como busca de contato com o sagrado através de lugares que, por alguma razão, se crê ligado de modo especial ao transcendente, é comum a diferentes expressões religiosas. O caminhar em direção a esses lugares evoca a nossa própria vida, vista como um caminhar rumo ao infinito ou à perfeição. No caminho há alegria e sofrimento, momentos de solidão e de comunhão, de frustrações e de vitórias.
Poder-se-ia objetar que o divino por sua própria condição é onipresente e, portanto, não há necessidade de buscá-Lo alhures. Entretanto, o Papa João Paulo II sobre isto esclarece que há lugares que Deus escolhe para colocar sua “tenda” no meio de nós (Jo, 1,14; Ex 40,34-35; 1Re 8,10-13) para que o ser humano possa ter com Ele um encontro mais direto. Embora não esteja limitado no tempo e no espaço, nos proporciona lugares e momentos especiais de graça onde o encontro se dá de modo mais intenso.
João Paulo II, em preparação para uma peregrinação, deixa transparecer seus sentimentos profundos: “Vivíssimo é o meu desejo de ir, antes de mais, a Nazaré, cidade ligada ao próprio momento da Encarnação e, depois, lugar onde Jesus cresceu « em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens » (Lc 2, 52). Lá ouviu Maria a saudação do Anjo: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo» (Lc 1, 28). Lá pronunciou Ela o seu fiat como resposta ao anúncio que A chamava para ser mãe do Salvador e tornar-se, à sombra do Espírito Santo, um ventre acolhedor para o Filho de Deus” (Carta sobre a peregrinação aos lugares relacionados com a história da salvação, 1999).
O peregrino durante o caminho entra em contato com o mais íntimo de seu ser. É como um retiro espiritual em que se afasta da rotina diária e escolhe tirar um tempo para si mesmo, para meditar sobre a própria vida. Desloca-se de um lugar a outro com espírito de oração, meditando nas razões de sua fé, em espaço particularmente marcado pelas intervenções divinas.
No mundo católico muitos são os lugares de peregrinações: Terra Santa, Roma, Lourdes, Fátima, Aparecida, Juazeiro e Compostela, para citar alguns. A história da peregrinação a Santiago de Compostela remonta há mais de mil anos e o Escritório de Peregrinos da Arquidiocese de Compostela reporta o aumento das peregrinações nos últimos trinta anos, impulsionadas pelas visitas de João Paulo II, em 1982 e 1989 e Benedito XVI durante a Jornada Mundial da Juventude em 2010. A princípio pensava-se que os modernos meios de transporte levariam a uma diminuição das peregrinações tradicionais, à pé ou a cavalo, porém o que se nota é um crescimento do interesse por parte dos peregrinos (https://oficinadelperegrino.com).
No Brasil podemos destacar Aparecida (SP), onde fica o Santuário Nacional que recebe milhares de peregrinos todos os dias do ano; Juazeiro do Norte onde acorrem os devotos do Padre Cícero Romão Batista. Na nossa região, Centro-Oeste, os romeiros (outro nome para peregrinos) desde o século XVIII se dirigem ao Santuário do Pai Eterno em Trindade e ao Santuário de Nossa Senhora d’Abadia, em Muquém, na região de Niquelândia.
Na motivação popular para a peregrinação há o desejo de prestar culto de ação de graças por benefícios recebidos, quase sempre expressos na forma de curas de doenças graves ou solução de problemas difíceis.
O caminhante, porém, nem sempre tem uma motivação religiosa, mas a experiência de estar a caminho é muito semelhante à daqueles que o fazem por questões de fé. Sofrerão o peso da mochila; a dureza do sol no início da tarde; a chuva que cai de repente, sem avisar; a alimentação nem sempre do agrado; os calos nos pés; o calçado que não aguentou a dureza do caminho, a subida que parece não ter fim...
Verão o sol nascer e se por, contemplarão as lindas paisagens que só se vê do alto das montanhas; os animais do campo em seu habitat natural, sentirão o cheiro da terra e das florestas; sentirão o frescor dos riachos e a força das cachoeiras que despencam do alto... como na canção de Renato Teixeira:
“Quem é pobre anda a pé. / Mas o pobre vê nas estradas / O orvalho beijando a flor
Vê de perto o galo campina / Que quando canta muda de cor.
Vai molhando os pés no riacho / Que água fresca, Nosso Senhor
Vai olhando coisa a grané / Coisa que prá mode ver / O cristão tem que andar a pé.
Ambos farão a experiência do encontro, seja consigo mesmo, seja com outros caminhantes que se encontra pelo percurso, seja com os habitantes dos lugares por onde se passa. A experiência do convívio, do partilhar, do ajudar e ser ajudado, do ser recebido com alegria, afeto e um belo sorriso nos lábios...
Ainda que não haja no caminhante uma motivação religiosa, a empreitada não deixa de ter efeitos na sua vida espiritual. Ao fim da jornada, não será mais o mesmo. Bom caminho!