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PRIMEIRO A VIDA, NÃO A RELIGIÃO

22/03/2021

PRIMEIRO A VIDA, NÃO A RELIGIÃO

* Diácono José Durán y Durán

Vivemos em tempos de pandemia, onde devemos fazer escolhas. Tempo para refletir e colocar em prática a parábola do Bom Samaritano. (Lc 10, 29-37).

            Houve diversos posicionamentos, de bispos, padres, e outros, sobre a proibição por parte dos governos estaduais de celebrações de cultos com a presença de público. Uns acolheram com bom senso, incluso lembrando que a prática religiosa independe do templo. Outros mostrando que será obedecido o que a autoridade civil determinar, levando em conta o bem comum. Outros, porém, não aceitam que o poder civil desrespeite o direito do povo de ter Deus. E até ameaçam aos políticos com chicotadas quando chegarem as próximas eleições. Todos defendem a vida, mas em alguns posicionamentos, parece que a religião é mais importante do que a vida.

            Não é que a religião não seja importante. É que numa escala de valores, a vida vale mais do que a religião. A vida precede à religião. Este posicionamento ficou muito claro nos ensinamentos de Jesus. Quando ensinou que o atendimento às necessidades do próximo tem prioridade sobre a prática religiosa. Ele mostra isso no atendimento ao homem assaltado e ferido no caminho; na cura em dia de sábado, que era proibido pelas normas da religião judaica. “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado”. (Mc 2,27).

O humano, o amor ao próximo, se antepõe ao religioso (cumprir normas sagradas). Estamos aqui frente a uma quebra “da ordem sagrada” estabelecida pela religião. Esta ruptura efetivada por Jesus, teve como consequência a sua morte, que foi executada pelos representantes da religião oficial, uma religião que defendia a vida, mas ficava na teoria, sem descer a cuidar dos necessitados.

            Neste período de pandemia há gente para quem parece que o mundo vai se acabar porque não tem missa. Lhes resulta muito difícil renunciar a certas práticas religiosas, e incluso condenam as autoridades e até aos padres que obedecem as autoridades. Eles pensam mais nos benefícios individualistas de um culto vazio, do que na defesa da vida para todos. Não se tem consciência de que o fato de não ir ao templo, não nos impede de continuar amando os necessitados, de socorrer os doentes, de ajudar os famintos, os desempregados, etc. São pessoas que ficam paralisadas, talvez porque perderam a capacidade de sentir o sofrimento do outro, como consequência de um culto sem compromisso com o irmão.

            O que Jesus nos ensina é que o central para Deus não é a religião, mas o ser humano. Existe um temor, talvez inconsciente, entre os dirigentes religiosos, de que com esta pandemia cresça entre as pessoas uma “espiritualidade sem igreja”, que aliás é uma tendência que vem crescendo desde antes da pandemia. Esta tendência deve ser muito bem analisada para que possamos corrigir os rumos da evangelização.

            Para muitos essa opção é resultado de experiências não muito positivas dentro das comunidades religiosas. Uma forma de fugir do exercício de poder autoritário e controlador de certos padres e pastores. Para outros é por não experimentarem dentro das comunidades uma coerência entre a doutrina e a prática.

            Torna-se assim a pandemia, uma providencial ocasião para fazer uma grande avaliação sobre as nossas práticas religiosas; sobre as nossas normas e preceitos, sobre as estruturas que criamos, para verificar até que ponto tudo isto está nos ajudando a salvar vidas, a salvar a vida, ou pelo contrário estão a serviço da manutenção dos templos, dos seus ministros, das suas estruturas de poder.

            Vemos setores da igreja lutando contra o aborto, contra a eutanásia, mas indiferentes na luta contra a fabricação de armas, contra o capitalismo neoliberal, contra os direitos humanos, e alinhados com governos de direita que mantem políticas de guerra e de destruição da natureza. Estamos muitas vezes nutrindo e fomentando fundamentalistas com as nossas práticas religiosas que promovem mais uma ética do dever do que uma ética da necessidade.Com a volta ao normal, esperemos que não se volte a prática religiosa normal, mas a uma prática renovada, de real comprometimento com a vida.

* CRD Nordeste 2 – Teólogo e escritor