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Quarentena

29/03/2020

Quarentena

Artigo de Dom Sergio Eduardo Castriani, Arcebispo Emérito de Manaus (AM)

Não queria falar sobre isto. Me parece um assunto esgotado. Já falamos e repetimos tantas vezes as mesmas informações que cada um de nós se tornou perito em infectologia e ciências a fim. Mas estamos todos neste barco e não me vem à imaginação um outro assunto que possa causar o mínimo interesse aos meus leitores. Mas há novidades no ar.

Uma das novidades desta pandemia é que ela é, se não me falha a memória, a primeira da era do celular universal, aquele que está ao alcance de todos, com as informações dadas em tempo real, mas também expostos às fake news de toda ordem. Nada permanece em segredo, e as opiniões desastradas do nosso presidente correm o mundo e nos envergonham. Os políticos estão mostrando a cara e nosso país não será o mesmo depois que a pandemia passar.

Mas quantas mensagens bonitas recebemos. Músicas antigas que ganharam um sentido novo e composições novas vem lembrar-nos valores eternos. Amigos que há tempo não se comunicavam querem saber notícias, exprimindo preocupação pela nossa saúde. As mensagens trocadas dão um sentido de pertença e mitigam o isolamento.

Pela primeira vez faço parte do grupo de risco. No tempo da meningite, da H1N1, do cólera, eu era jovem. É bom ser objeto de preocupação, mas incomoda incomodar a vida alheia. Lembro-me de ter participado no Acre das campanhas de vacinação contra a paralisia infantil, porque a paróquia tinha um jipe, um dos únicos carros da cidade. Agora, acompanho a movimentação dos padres e dos bispos rezando por eles, para que tenham discernimento.

Voltei a rezar o ofício divino completo todos os dias, como um serviço a Deus e à Igreja. Assim me mantenho organizado, e assumo uma responsabilidade, que não pude honrar nos tempos de ministério. Continuo a escrever minhas homilias, o que preenche bem o meu tempo. Estou terminando de ler “O Senhor dos Anéis” e as homilias do Papa Bento XVI nas missas do crisma durante o seu pontificado, bem como de ordenações sacerdotais e diaconais, como leitura quaresmal. Até agora não tive tempo para ficar sem fazer nada.

O fato de celebrar a missa todos os dias me dá a dimensão do meu privilégio. Sou sacerdote, em qualquer circunstância. Posso oferecer o Santo Sacrifício do Altar pelo povo todos os dias. No entanto, a ausência das pessoas vai pesando e pensar que não teremos semana santa com o povo este ano com o povo, entristece.

Sei como, em Manaus, é importante para o bispo estar com o povo na Via-Sacra na manhã da Sexta-Feira Santa e depois voltar à tarde para a catedral com a imagem do Senhor Morto. Penso que este é o sacrifício maior que se está pedindo aos pastores. Também é difícil estar longe das pessoas que necessitam dos sacramentos e dos pobres. Como estão os pobres nesta situação? Eles não conseguem chegar até onde eu estou e nem eu aonde eles estão. Sinto-me pequeno nesta situação. Gostaria de estar na linha de frente, mas este já não é mais o meu lugar, e esta emergência mostra isto. A providência divina mandou Dom Leonardo para nos conduzir na hora certa. Rezo especialmente por ele. A Igreja de Manaus dará uma resposta a altura dos acontecimentos.

Fonte: Jornal em Tempo – Arquidiocese de Manaus (AM)