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“SEMANA SÃO LOURENÇO” Cheios do Espírito para Servir (At 6,3): o diaconado numa Igreja ministerial e missionária

05/08/2020

“SEMANA SÃO LOURENÇO” Cheios do Espírito para Servir (At 6,3): o diaconado numa Igreja ministerial e missionária

* Diácono Luciano Lima Santana

 

1 INTRODUÇÃO

            O papa Paulo VI, em 21 de novembro de 1964, solenemente promulga, na terceira sessão plenária do Concílio Vaticano II, a Constituição Dogmática Lumen Gentium, fruto de intenso trabalho e orações dos padres conciliares, que procuraram reavivar a visão bíblica sobre o serviço e, a partir desse, situaram a hierarquia sob esse prisma. Diversas proposições foram apresentadas para a Igreja, entre elas, encontra-se o reestabelecimento do diaconado permanente na Igreja Latina.

            O diaconado permanente situa-se no contexto da vida e da ação pastoral da Igreja. O reestabelecimento do diaconado não é um retorno somente a origem da Igreja, é muito mais que isso, ela vem responder a uma nova visão ministerial de Igreja.

            É importante salientar que os padres conciliares viram grandes motivações para o reestabelecimento do diaconado, fundamentações estas que serviram de base para as decisões tomadas no Concílio Vaticano II. A história e as perspectivas pastorais que tanto motivaram os padres conciliares eram, na verdade, motivações do grande protagonista da Igreja: o Espírito Santo. Impulso divino que conduziu a Igreja ao reestabelecimento do quadro completo da hierarquia – bispos, presbíteros e diáconos. Para revitalizar as comunidades cristãs e fazer com que estas se tornassem mais próximas das comunidades da Igreja primitiva, sob a ação do Espírito Santo, os Apóstolos fundaram, nos primeiros séculos, e vemos confirmada em Atos dos Apóstolos, o grande sopro Divino sobre toda a Igreja, tornando-a mais viva e mais evangelizadora.

              O diaconado permanente é um enriquecimento de suma importância para a missão evangelizadora da Igreja. Para que homens impelidos pelo Espírito à vida litúrgica, pastoral, caritativa e missionária sejam fortificados, como na Igreja Primitiva, pela imposição das mãos, para exercerem este ministério diaconal, tendo a graça santificante do sacramento da ordem.

              Ao incentivar o reestabelecimento e a importância da pessoa do Diácono Permanente para a evangelização no mundo atual, a Igreja Latina valoriza e motiva os diáconos permanentes em sua missão, o que é um grande incentivo àqueles que se sentem chamados ao serviço eclesial sem, contudo, abandonarem seus afazeres no mundo secular.

              Entende-se que o diácono permanente é um sujeito ativo na evangelização. O servo fiel do Pai segue os passos de Jesus Cristo, que se fez servo de todos e esteve nas mais diversas esferas da sociedade. Assim, é o diácono permanente que deve fazer a ponte entre Igreja e mundo, mundo e Igreja.

            O título deste artigo retoma um questionamento que surgiu a partir da minha caminhada e vivência do ministério diaconal, dialogando e escutando a partilha feita por muitos diáconos, percebendo que em muitos lugares falta uma compreensão clara da dimensão ministerial e pneumatológica da Igreja.

            Passados quase sessenta anos do reestabelecimento do diaconado como uma resposta pastoral pelo Concílio Vaticano II, muitos ainda perguntam: quem é o diácono, e por que diáconos na Igreja? Para muitos, o diaconado é um ministério de suplência, ou seja, a Igreja ordena diáconos porque não há um número suficiente de presbíteros. Partilho neste artigo alguns trechos da minha dissertação do mestrado cujo título é: “Cheios do Espírito para Servir (At 6,3): Uma abordagem pneumatológica do diaconado permanente em vista da missão.”

            Em um grande número de dioceses do Brasil o ministério diaconal foi acolhido, bem como em outras ainda não existem diáconos permanentes. Muito provavelmente alguns diáconos ainda estão exercendo o seu ministério “estritamente” na liturgia eucarística. Alguns só celebram o sacramento do batismo ou assistem o sacramento do matrimônio quando o padre não pode estar presente. Há aqueles que acham desnecessário ordenar diáconos, porque os leigos e leigas podem exercer as suas “funções”, não “precisando”, portanto, serem ordenados para estes serviços! Falta clareza na compreensão de quem realmente seja o diácono e qual é a sua missão na Igreja. Ao analisar a teologia dos ministérios, percebemos que na prática, os ministérios ainda são vistos numa perspectiva da sua funcionalidade, são avaliados pelo que se “pode ou não fazer”. Neste sentido, percebe-se um empobrecimento da dimensão pneumatológica dos diversos ministérios na vida e missão da Igreja, visto que, por mais de um milênio, houve uma grande centralização e síntese dos diversos ministérios exclusivamente na figura do padre.  Embora o Concílio Vaticano II, as Conferências latino-americanas e caribenhas e os documentos da CNBB retomando as fontes bíblicas (1 Cor 12,1-11), insistam na valorização dos diversos ministérios, muitos ainda investem numa eclesiologia da “supervalorização do “sacerdócio ministerial” em detrimento do “sacerdócio comum dos fiéis”. A eclesiologia da comunhão e participação ainda não foi plenamente acolhida e amadurecida. Em alguns lugares ainda prevalece o binômio clero x leigos, ao invés do binômio comunidade x ministérios.

 

2. “Cheios do Espírito Santo” e enviados em missão

            No entanto, os documentos do magistério da Igreja são sempre claros e diretos na definição eclesiológica dos diversos ministérios, assim compreendem-se as grandes intuições e motivações do Concílio Vaticano II:

“Mede-se pela novidade do reestabelecimento do diaconado, em relação à visão tridentina, como ao contexto eclesial e eclesiológico da época: o Vaticano II inova e recria um diaconado diferente daquele que pretendia o Concílio de Trento, porque a sua eclesiologia, a sua teologia dos ministérios e a suas intuições missionárias são outras.” (BORRAS 2010).

            Não se pode pensar ou entender o ministério diaconal numa perspectiva empobrecida de suplência e muito menos como ministério de segunda ou terceira categoria. É urgente uma conversão pastoral (EG 25) que nos faça acolher e valorizar os diversos ministérios em vista da missão. O diaconado é parte integrante da Igreja (Corpo místico de Cristo), está inserido na hierarquia da Igreja. (bispo– presbítero – diácono) a serviço do Povo de Deus (comunidade ministerial), especialmente dos pobres nas periferias geográficas e existências.

Para apascentar o Povo de Deus e aumentá-lo sempre mais, Cristo Senhor instituiu na Igreja diversos ministérios, ordenados para o bem de todo o seu Corpo. Entre esses ministérios, já desde o tempo dos Apóstolos, salienta-se e aparece com particular relevo o Diaconado, o qual foi tido sempre em grande estima na Igreja. (Papa Paulo VI Carta Apostólica Ad Pascendum)

“Cheios do Espirito Santo” e enviados em missão (cf. At 6,3; Mt 28,), os diáconos são convidados a assumir o seu ministério em variados serviços na comunidade eclesial. Mais que nunca, faz-se necessário superar uma mentalidade de suplência dos presbíteros ou de mera substituição dos ministérios confiados aos leigos e leigas. Em resposta ao apelo do Papa Francisco por uma Igreja em saída – fazendo eco do mandato missionário do Senhor – os diáconos se veem interpelados a serem apóstolos nas famílias e na sociedade, como sinal diaconal-sacramental de uma Igreja acolhedora, próxima e samaritana, em estado de missão.

            É preciso uma nova compreensão do ministério diaconal a partir da diaconia do Cristo-servo, que veio para servir, especialmente nos que se encontram excluídos, privados de uma vida digna.

            “A ordenação diaconal habilita para o ministério, isto é, para servir a igreja dispondo-a para a missão, no seguimento de Cristo e na força do seu Espírito. Ela conforma os diáconos para o serviço que Cristo continua a prestar à nossa humanidade – ela refere-se à diaconia de Cristo –, para a conduzir à sua plenitude. (...) Os diáconos são dados à Igreja para que ela germine onde o Senhor chama, porque Ele a precedeu, isto é, na história da humanidade. Eles são artífices deste germinar: onde a esperança levante a cabeça, a justiça prevaleça sobre a opressão, o amor sobre a ira, a vida sobre a morte. E isto no coração do mundo.” (BORRAS 2010).

 

3. A diaconia de Cristo e da Igreja

Os diáconos devem ser sempre os primeiros a recordar que a comunidade dos batizados, leigos (as), religiosos (as), bispos, presbíteros, é uma comunidade servidora da Palavra, liturgia e da caridade. Em toda a sua ação ministerial deve fazer lembrar que a caridade (amor) é a razão de ser e agir de todos na missão salvífica de Cristo. No exercício do seu ministério o diácono recorda a todos os batizados, a diaconia de Cristo e da Igreja, cuja missão é sempre servir.

            A comunidade cristã se caracteriza pela diaconia, pelo serviço como atitude fundamental do ser Igreja. Na “nova aliança” de Jesus “a atividade de servir contrasta-se com a de reinar” (HESS, 1983).

            Para que o ministério diaconal cumpra a sua missão mais plenamente colaborando com os bispos e presbíteros a fim de que Igreja possa ir além das estruturas já existentes, como por exemplo, as Paróquias, é necessário que os bispos e presbitérios estejam dispostos a abrir espaços para a implantação de novos modelos de organização eclesial, investindo na riqueza e novidade do ministério diaconal. É urgente refletir sobre uma possível “subutilização” do potencial evangelizador do ministério diaconal, quando encerrado tão somente no território paroquial, na suplência do presbítero. Neste sentido, é fundamental favorecer a implantação das diversas diaconias: territoriais, setoriais ou ambientais, de acordo com o carisma de cada diácono. Mas é sempre necessário recordar que em todos os âmbitos eclesiais o diácono faz recordar a todos a diaconia de Cristo e da própria Igreja.

            A diaconia, por um lado, é dimensão importante da própria existência cristã. Ser cristão significa colocar-se a serviço dos outros, até a renúncia e ao dom de si mesmo, por amor. Para tanto, o batismo confere a cada cristão o mesmo dinamismo de serviço que está em Cristo (cf. Fl 2,5ss.). Participando do testemunho, da liturgia e do serviço de Cristo e da Igreja, o cristão coopera com Cristo na salvação dos seres humanos. Membros do corpo de Cristo, todos são chamados a tornar-se servos uns dos outros com os carismas que receberam de Deus para a edificação da Igreja e dos irmãos na fé, na esperança e no amor (cf. 1Pd 4,10; cf. 1 Cor 12, 1-11. 28-30; 4,1-2; 1 Pd 3,7) (ALMEIDA, 2012, p. 131).

            Urge em nossos dias, uma maior abertura aos apelos do Espírito que sempre sopra e que nos propõe uma Igreja toda ministerial e missionária. Não se pode conceber o ministério diaconal fora da eclesiologia da comunhão e missão, serviço e caridade, para o qual a Igreja foi instituída. Não se pode ter medo da “novidade” do ministério diaconal, deste modo precisamos crescer numa compreensão ministerial da complementariedade dos dons e carismas para o serviço do Reino:

“A sacramentalidade do diácono deve ser compreendida não de forma funcional, mas em chave simbólica, do grego, sym-ballien, que significa aquilo que reúne, congrega, põe junto. Queremos indicar neste caso, uma práxis sacramental e eclesial que pressuponha, identifique e reconheça, sim, as diferenças ministeriais, mas em vez de ressaltar a contraposição entre elas, empenhe-se por valorizar, integrar e complementar harmonicamente as particularidades de cada ofício ou serviço em benefício do todo. Todos os ministérios, carismas ou vocações refletem algum traço do ministério de Cristo e tornam-no presentes para colaborar com a salvação realizada por ele por meio da Igreja”. (BENDINELLI, 2011, p. 129).

 

4. Diáconos discípulos missionários

            A Conferência de Aparecida, assim define a missão dos diáconos: “Alguns discípulos e missionários do Senhor são chamados a servir à Igreja como diáconos permanentes, fortalecidos, em sua maioria, pela dupla sacramentalidade do Matrimônio e da Ordem. Eles são ordenados para o serviço da Palavra, da caridade e da liturgia, especialmente para os sacramentos do batismo e do matrimônio; também para acompanhar a formação de novas comunidades eclesiais, especialmente nas fronteiras geográficas e culturais, onde ordinariamente não chega a ação evangelizadora da Igreja” (DAp, n. 205).

            Por meio da pregação, dos gestos, da paixão, morte e ressurreição de Jesus, os primeiros discípulos recebem o mandato missionário do Ressuscitado com a força de Pentecostes. Pois serão eles as testemunhas e os missionários da Boa Nova do Reino de Deus, como nos recorda Francisco: “a evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo – Ensinai-os a observar tudo o que vos tenho ordenado (Mt 28,19-20)” (EG 19).

            A identidade missionária do diácono se assemelha a do Cristo Servo, que Cheio do Espírito, assume a missão que lhe fora confiada pelo Pai (Lc 4,1). Assim como Jesus vive o seu ministério e missão fortalecido pelo Espírito, o diácono é chamado a viver o seu ministério na participação especial da diaconia de Cristo, pela força do Espírito, através do sacramento da Ordem (DD 35).

            A configuração do diácono permanente relacionada ao Cristo-Servo faz a originalidade e o dinamismo de seu ser e de sua missão. A partir dessa perspectiva, compreende-se melhor a diversidade de tarefas confiadas ao diácono e por ele assumidas nos dias de hoje. Através dos séculos, não existiu na Igreja diaconato imutável como grau inferior ao do sacerdócio hierárquico. Ao contrário, o exercício desse ministério apresentou formas históricas muito diversas, adaptadas às circunstâncias e necessidades concretas da Igreja. No serviço permanente da Palavra, Liturgia e caridade, se atualiza e renova o ministério e missão do diácono:

             diácono é o servidor da Palavra, das espécies eucarísticas e do Cristo pobre. Seu serviço, no entanto, passa inicialmente por sua relação de proximidade com o Cristo, diácono do Pai, de quem é sinal sacramental. A diaconia da Igreja torna-se visível na pessoa do diácono que, como ministro ordenado, serve ao Povo de Deus in  persona Christi servi. Assim, seu serviço à mesa da Palavra não   deve ser visto como inferior ou como suplência, nem se deve esvaziar de sentido a celebração da Palavra de Deus presidida pelo diácono. O Concílio Vaticano II a reconhece como ação litúrgica, quando incentiva sua promoção nas vigílias e festas mais solenes, em dias feriais do Advento e da Quaresma, inclusive nos domingos e dias de festa, especialmente onde não houver sacerdote para a celebração da Eucaristia (SACROSANCTUM CONCILIUM, n. 35).

Sem a força do Espírito, ou fechado aos sinais que Ele aponta, o ministério diaconal corre sério risco de tornar-se meramente funcional, perder o vigor da sua novidade na vida da comunidade e tornar-se suplência do presbítero, sem apresentar o rosto do Cristo Servo que Cheio do Espírito se colocou em missão (Lc 4,18). A Igreja “em saída” é aquela que entende a importância de ir aos “novos areópagos e desvendar o contexto no qual estamos situados, com todas as variantes e interrogações que o tempo hodierno nos traz” (KUSMA, 2014, p. 200-201). Esta é a nova evangelização no mundo atual, porque “é a saída que caracteriza a Igreja em sua essência, que a faz missionária” (Idem, p. 201).

 

5. Diáconos numa Igreja em Saída

            Os diáconos permanentes encontram fomento para o seu serviço diaconal numa Igreja em saída missionária. Esta Igreja em estado permanente de missão espera do diaconato permanente, na América Latina, uma nova atitude de desinstalação e de superação do clericalismo (EG 108). É preciso tornar-se verdadeiramente agente da evangelização nos mais variados meios sociais e culturais, bem como nos lugares mais longínquos onde a própria Igreja hoje não está alcançando. Para contribuir no novo impulso missionário, é fundamental que os diáconos tenham plena consciência da sua identidade, vocação e missão na ação evangelizadora da Igreja. Faz-se urgente a conversão pessoal e pastoral em vista do acolhimento da diversidade dos ministérios e carismas na vida da comunidade. É fundamental que o diácono permanente assuma o seu ministério a serviço de toda a comunidade e não somente a serviço de um segmento ou movimento eclesial. A conversão pastoral passo pelo compromisso pessoal e comunitário de romper os velhos modelos já superados para acolhimento e abertura a uma ação evangelizadora renovada e missionária, tendo em vista especialmente os pobres e marginalizados (EG 98).

            Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo!  [...] Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos.  Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida.  Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “Dai-lhes vós mesmos de comer (Mc 6, 37)” (EG 49).

            A Igreja, corpo místico de Cristo, precisa da atividade de todos os membros: bispos, presbíteros, diáconos, religiosos, leigos.  A caridade é o sinal identificador do diácono que apoia e dá credibilidade ao anúncio do evangelho. São muitas e variadas as formas de pobreza das pessoas da nossa sociedade. Além da pobreza material, por vezes aflitiva, encontramos também formas de pobreza cultural e espiritual. Os diáconos não existem para dispensar outros possíveis colaboradores, mas incentivar uma participação mais generosa e mais responsável de todos. Eles consagram-se por um sacramento para servir ao Povo de Deus, sem deixar as suas responsabilidades familiares, profissionais e sociais. Os bispos encontram nos diáconos preciosos colaboradores na ação evangelizadora, tanto no plano territorial como ambiental, de forma que, sem ocupar o lugar, nem competir com presbíteros ou leigos, o Evangelho chegue àqueles lugares onde o diácono vive e trabalha. Com efeito, dentro de sua profissão o diácono tem um campo privilegiado de ação evangelizadora, podendo ser provisionado para ali atuar. Portanto, o bispo, tendo presentes as necessidades e os recursos pastorais de sua diocese, procurará atender aos mais variados “esforços pastorais”, colocando diáconos à frente deles, conforme os carismas pessoais.

 

6. Diáconos testemunhas da conversão pastoral

            Para que o diácono permanente exerça o seu ministério com a devida autonomia, corresponsabilidade e comunhão torna-se urgente a renovação da mentalidade dos presbíteros para a compreensão da identidade e missão que são próprias do diácono. Torna-se preciso superar a mentalidade de que o diácono seja um mero assistente, muitas vezes reduzido a funções litúrgicas, pois a missão requer diferentes diaconias:

Sobre a renovação da mentalidade dos presbíteros é ainda necessário avançar no entendimento de que o diácono permanente não exerce o seu ministério na dependência dele, mas que é a outra mão do Bispo para “descentralizar” o ministério do Bispo. Só assim poderão surgir outros tipos de comunidades, modelos alternativos ao modelo paroquial, sejam denominadas diaconias ou com outros nomes. A pastoral urbana, por exemplo, recomenda que se aposte mais intensamente na experiência de comunidades ambientais (DURÁN, 2008, p. 44).

            Requer-se do diácono permanente e do presbítero, clareza ministerial e de missão. Isso evita conflitos inúteis. Recebem eles o sacramento da Ordem, para servir ao povo de Deus em comunhão com o bispo (LG 29). A missão realizada nessa ótica, além de eficaz, revela-se profundamente evangelizadora. Ao contrário, em conflito aberto, torna-se contrassenso e antievangélica. Tal atitude, infelizmente presente nas comunidades, desvirtua-se de toda orientação eclesial, em especial se gerada pela busca de poder, status ou questões financeiras.

            Reafirma-se aqui, o que destacou Aparecida: os diáconos permanentes são ministros ordenados, colaboradores do bispo, “fortalecidos pela dupla sacramentalidade, do Matrimonio e da Ordem” (DAp, n. 205). Além disso, deve-se recordar também, que “a promoção da caridade e do serviço constitui um campo privilegiado de evangelização” (Diretrizes Diaconado 55). No campo missionário, o diácono, além do seu serviço habitual na vida paroquial e diocesana, teria uma diversidade de desafios, quais sejam: o acompanhamento na criação e na formação de novas comunidades eclesiais; o fortalecimento de uma comunhão entre os diáconos e os presbíteros; o ministério ao lado dos necessitados e excluídos da sociedade; além do apostolado familiar e da colaboração na renovação das Pastorais Sociais. Além disso, no seu ministério e inserção na vida social e profissional o diácono deve ser um agente atuante nos espaços de construção da democracia e defesa da vida e da dignidade humana. O engajamento nos diversos conselhos promotores das políticas públicas torna-se um imperativo ético na vida do diácono na sua missão para além dos espaços eclesiais tantas vezes marcados pelo cansaço e desencanto.

            Recordou-nos recentemente o Papa Francisco: “O diácono não é um sacerdote de segunda classe, ele é o guardião do serviço na Igreja [...] “Os diáconos são criados para isso”, e "essa harmonia entre serviço à Palavra e serviço à caridade é um fermento que faz crescer o corpo eclesial".

            Sejam, portanto, os diáconos também os primeiros a darem o testemunho de conversão pastoral saindo do altar e das sacristias, superando uma pastoral de conservação, abrindo-se a urgência de uma ação missionária que favoreça a proximidade e o encontro com o Cristo. Sejam os diáconos corajosos e criativos para configurar o seu ministério numa Igreja samaritana e acolhedora. Saindo do altar e da sacristia com pressa de servir na Iniciação Cristã de crianças jovens e adultos, indo às diversas periferias para animar círculos bíblicos, celebrar a vida e a fé do povo, sejam qualificados e diligentes nos novos areópagos (redes sociais) para fazer ecoar a Palavra de Deus. Tenham pressa de subir as montanhas e ladeiras para servir os pobres exercendo com competência e humildade o ministério da Caridade lavando os pés de tantos irmãos e irmãs (Pastoral da saúde, carcerária, pessoa Idosa, Pastoral da Criança, Cáritas, Pastoral da escuta...). Levem ao altar a vida do povo por uma presença fraterna, geradora de comunhão, alegria e esperança (Liturgia). Sejam o rosto do Cristo servidor, que continua oferecendo a sua vida por amor, pois o maior é aquele que serve. (Mc 10,43-45).

 

* Diác. Luciano Lima Santana é mestre em teologia Pastoral pela PUC –PR. Coordenador de Pastoral da Arquidiocese de Vitória da Conquista e Coordenador do Curso de Teologia para Leigos, membro da Equipe de assessoria Pedagógica ENAP – CND, casado há 25 anos, pai de três filhas.

 

Referências

ALMEIDA, Antônio José de. Sois um em Cristo Jesus. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2012.

BENDINELLI, Julio C. Diaconia da Palavra: o ministério e a missão do diácono permanente. São Paulo: Paulus, 2011. (Col. Comunidade e missão).

BORRAS, Alphonse. O diaconado sob o risco da sua novidade. São Paulo: Paulinas, 2010.

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, “O diaconato: evolução e perspectivas”. SEDOC, v. 35, n. 297, p. 521-614, 2003.

CONCÍLIO VATICANO II – Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos e declarações. Petrópolis: Vozes, 1968.

Diretrizes para o Diaconado Permanente da Igreja no Brasil. Brasília: Edições CNBB, 2012.

DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007.

DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO. Evangelli Gaudium: A alegria do Evangelho sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Loyola, 2013.

DURÁN y DURÁN, José. Os Diáconos, discípulos missionários de Jesus servidor. Brasília: Edições CNBB, 2008.

FRANCISCO, Audiência Geral, 25 de setembro, realizada na Praça de São Pedro, no Vaticano.

HESS, Klaus. “Diakoneo”. In: BROW, Colin (Ed.). O Novo Dicionário Internacional de Teologia do NT. v. 4. São Paulo: Vida Nova, 1983.

KUSMA, Cesar. Cantar Francisco! Provocações Eclesiológicas a  partir da Evangelii  Gaudium.

PAULO VI, Motu próprio Ministeria Quaedam. Petrópolis: Vozes, 1972.

PINTO, Luciano Rocha. Mensa verbi Dei: O ministério diaconal da Palavra de Deus. Coletânea, Rio de Janeiro, v. 16, n. 31, p. 81-103, jan./jun. 2017. ISSN 1677- 7883.

SACROSANCTUM CONCILIUM: constituição conciliar sobre a sagrada liturgia.