Serviço: dimensão essencial da ministerialidade (breve reflexão)
01/10/2008
Diácono Juranir Rossatti Machado
A IMPORTÂNCIA DA RECORDAÇÃO
Desejo recordar algumas idéias associadas, principalmente, aos primeiros conceitos de ministério, que, sem dúvida alguma, dentro do contexto eclesial, adquirem acentuada importância.
A recordação é necessária ao homem que deseja avaliar seus atos, suas idéias, seus compromissos... enfim, sua vida. Ela nos ajuda na dinâmica da descoberta ou redescoberta de nossa própria identidade. Através dela, podemos questionar pensamentos que já tivemos, emoções que já vivemos, atitudes que já tomamos.
Só é possível a visão crítica do presente, se, através da recordação, buscamos, no passado , elementos que nos possibilitem o confronto de experiências. A recordação tem muito a ver com o coração, tomado como sede de sentimentos e decisões. Desejo trazer os primeiros conceitos de ministério ao coração! Não são idéias novas! É claro que, nesta breve lembrança, existe um objetivo: fazermos desta recordação uma oportunidade de confrontarmos, por exemplo, o que aprendemos ou o que assumimos com a realidade do que realizamos ou somos, no exercício do ministério.
Não focalizo nenhum ministério em particular; mas, ao mesmo tempo, penso em todos eles, ordenados ou não. Penso naqueles que se originam do Sacramento da Ordem, diaconado, presbiterado e episcopado. Penso nos ministérios instituídos. Penso nos ministérios confiados ou designados, que existem entre nós e em outros que o Espírito Santo haverá de suscitar, no decorrer da história da Igreja. Penso no povo de Deus, chamado a ser uma nação ministerial e a viver, em seus ministérios, o caráter sacerdotal e o caráter profético e a vocação à santidade. É no exercício do ministério que realizamos de fato nosso sacerdócio em Cristo.
EM BUSCA DOS PRIMEIROS CONCEITOS
A palavra ministério, do latim ministerium, designa ofício próprio de servo, função servil. São seus primeiros significados. Depois: serviço, ocupação, trabalho. Daí: ministro é aquele que serve, ajuda. É um servidor. É um trabalhador.
Com estes conceitos, quero remeter-me ao gesto do lava-pés, que Cristo realizou nos apóstolos, na última ceia, dando-lhes exemplo de serviço humilde (Jo 13, 4-17). Dentro do contexto eucarístico, colocava em prática o que ele mesmo pregara: “Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós, seja vosso escravo. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos” (Mt 20, 26b-28). O serviço prestado por Jesus não é uma esponja sobre suas outras funções, das quais ele tem profunda consciência. Ele não nega ser Senhor e Mestre (Jo 13, 13-14). Mostra-nos que a primeira dimensão da ministerialidade é o serviço ao próximo.
Em qualquer ministério, o seu exercício, em primeiro lugar, deve levar-nos à configuração de Cristo-Servo. Sim, Cristo é Senhor, porém a serviço do Pai. Sim, Cristo é Mestre, contudo a serviço do Pai. Realizar a vontade de Deus era, para Cristo, seu alimento, como ele acentua, no episódio que registra seu encontro com a mulher samaritana: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir sua obra” (Jo 4, 34).
O projeto de Jesus era o plano do Pai e a ele se entregou radicalmente. O seu ministério era dado pelo Pai e ele o cumpriu na radicalidade do amor e da obediência. O seu serviço estava totalmente submisso ao Pai (Jo 5, 19.22.24.30.36). Seguindo as pegadas de seu Senhor, a Igreja, chamada a ser também Mestra, é, antes de tudo, servidora.
ATIVIDADE MINISTERIAL: FILHA DA OPÇÃO
Filha da opção responsável, a atividade ministerial, dentro das mais diversas modalidades, e, em especial, no campo da liturgia, no âmbito da Palavra e no desempenho da caridade, deve ser realizada de acordo com as orientações do Magistério e normas oriundas do governo diocesano ou arquidiocesano. O ministério é carisma que assume a forma de serviço à comunidade. Recorda-nos o documento 62, da CNBB, Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas: “Nem todo carisma, porém, é ministério, mas só pode ser considerado ministério o carisma que, na comunidade, em vista da missão na Igreja e no mundo, assume a força de serviço bem determinado.”
Atento à sensibilidade comunitária e às suas necessidades, é o Magistério da Igreja que reconhece a conveniência do ministério. Neste instante, refiro-me, de modo muito especial, aos ministérios instituídos ou confiados. Os ministérios ordenados estendem suas raízes à vontade explícita de Jesus ou ao discernimento dos Apóstolos.
CUIDADO COM OS ÍMPETOS PESSOAIS
Não pode existir atividade ministerial ao sabor dos ímpetos pessoais, ao sabor dos caprichos, comportamentos desabonados, evidentemente, pelo bom senso. Criatividade, sim; arbitrariedades, não; iniciativas fora da comunhão eclesial, nunca.
A atividade ministerial acontece no interior do contexto comunitário; por conseguinte, à frente de qualquer ministro eclesial, existe um elemento prioritário. A comunidade e, dentro dela, cada um de seus membros, sem exceção, é esse elemento prioritário. Em outras palavras, o outro é esse elemento. É por causa desse elemento primordial que o ministério existe. Ninguém é ministro para si mesmo!
O ministro é chamado a tornar-se próximo de seu semelhante, como se tornou próximo do moribundo estendido na estrada o bom samaritano (Lc 10, 30-37). A fé cristã nos orienta para o seguinte fato: o outro, por excelência, é o próprio Cristo e todos os outros, pessoas, consideradas individualmente ou não, se encontram no Cristo. É ao próprio Cristo que o ministro direciona o seu trabalho, como podemos entender na leitura de Mateus 25, 35-45, episódio que nos mostra que entram em comunhão com Deus e tomam posse das bem-aventuranças eternas os que se colocam a serviço do próximo, dentro da linha da misericórdia e da prática da caridade. Por ora, fiquemos com este último versículo do texto bíblico mencionado: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi mim mesmo que o deixastes de fazer” (Mt 25, 45).
Somos servidores de Cristo, que, em cada homem e em cada mulher, tem uma face diferente e traz consigo uma história distinta, marcada, muitas vezes, pela dor, pelo sofrimento, pela ausência da solidariedade e pelas cicatrizes da injustiça.
No cenário de toda a natureza, a família humana é o espaço principal para o exercício da ministerialidade, principalmente do serviço ou ministério da caridade. Diz-nos o Magistério da Igreja, através das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2008-2010), documento 87 da CNBB: “Se as fontes da vida da Igreja são a Palavra e o sacramento, o centro da vida cristã é a caridade, o amor-doação, o amor que vem de Deus mesmo e que o apóstolo Paulo aponta como o mais alto dos dons.” Sem dúvida alguma, dentro do âmbito do pensamento cristão, ministério combina com caridade, compaixão, solidariedade, justiça, paz... com todas as virtudes que dignificam a pessoa humana!
A VAIDADE RONDA O CORAÇÃO DO MINISTRO
O exercício do ministério não é palco onde se possa ostentar um título. Também não é oportunidade para trajar-se de maneira diferente, como se o exterior fosse o ponto alto.
A ministerialidade tem tudo a ver com disposição para o serviço, para o diálogo, para o anúncio e, também, para o testemunho de comunhão, elementos constitutivos da evangelização. Em qualquer posição de serviço em que se possa encontrar, o ministro, ao trajar-se diferente dos outros, coloca sobre si o traje do operário, do trabalhador da vinha de Deus.
O ministro é servidor e, como tal, é chamado a ser humilde no desempenho de suas funções. É chamado a ser construtor da paz. Cultivador da comunhão. Seguidor da santidade. Não é alguém que, com posse de um título, venha a marginalizar os outros e colocar-se acima deles, como se fosse uma estrela de primeira grandeza, desejando astros girando ao seu redor. No contexto eclesial, não há e não pode haver espaço para esse tipo de mentalidade. Mesquinha, diga-se de passagem.
O brilho que um ministro é chamado a possuir não vem dele. Ele não possui luz própria. Ele não é fonte desse brilho. Ele reflete uma luz, cuja fonte é Deus. Deus é o sol: “...o Senhor Deus é nosso sol, e nosso escudo, o Senhor dá a graça e a glória” (Sl 83/84, 12). Deus é a estrela de primeira grandeza. Nós é que giramos ao seu redor e dele recebemos a luz. Penetrando cada vez mais em seu mistério – mistério trinitário -, compreenderemos cada vez melhor o mais profundo sentido do agir ministerial, que precisa busca na comunhão e na missão das Pessoas de Deus Uno e Trino o próprio modelo de comunhão a ser estabelecido no mundo e a fonte da espiritualidade do serviço de todos os ministros eclesiais.
“NÃO FOSTES VÓS QUE ME ESCOLHESTES...”
Quase sempre, quando recordo esses pontos, me vêm à mente estas palavras de Jesus: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu escolhi a vós e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15, 16).
As palavras de Cristo nos remetem ao mistério da escolha, da eleição ou vocação. Em Cristo, é Deus mesmo quem nos chama para o seu serviço. O seu chamado, que vem desde “antes da criação do mundo” (Ef 1, 3-4), se firma na história de cada um de nós, através do nosso sim.
Somos operários de Deus. Somos trabalhadores da vinha. A obra a ser construída ou a vinha a ser cultivada é o reino de Deus. Este é o fruto que deve permanecer. Qualquer atividade ministerial, realizada no Espírito de Cristo, é construção ou cultivo do reino de Deus. O serviço que prestamos ao outro, em nossa atividade ministerial, é sempre um convite ao conhecimento e vivência desse reino divino, marcado pela justiça e pelo amor.
AÇÃO MINISTERIAL: AÇÃO DA IGREJA
Sendo o ministério um chamado de Deus, devemos compreender que nenhum ministro age em nome próprio no exercício das atividades especificamente ministeriais.
O ministro é sempre um missionário, alguém que está sendo enviado. A Igreja é porta-voz do chamado divino (Mt 16, 18-19). O ministro, ordenado ou não, age em nome da Igreja, no exercício legítimo de suas funções. Ele é presença da Igreja em sua atuação lícita e válida. É o fulgor de Deus e o da Igreja que devem ser refletidos nas atividades próprias de cada ministério.
Na diversidade de ministérios eclesiais, encontra-se a obra do Espírito Santo (1Cor 12, 11), em vista da unidade do Corpo de Cristo (Ef 4, 4-6). Os ministérios não são concorrentes entre si; mas todos eles constituem expressões da graça de Deus e Deus, fonte de todas as bênçãos, permite a existência de cada um deles, para o crescimento espiritual de todos os filhos e filhas da Igreja, para o crescimento espiritual de cada homem e de cada mulher. A diversidade do serviço ministerial deve ser emoldurada pela unidade que reflita, de fato, a comunhão de todos os membros do redil de Cristo, tendo, como modelo, a perfeita comunhão das Pessoas da Santíssima Trindade. Neste santíssimo mistério de unidade, os serviços não se confundem e não criam conflitos.
No contexto eclesial, ninguém se torna ministro por iniciativa própria. Não existe o autochamado ou autoconvocação. As diversas distinções de ministérios (ordenados, instituídos, conferidos ou designados) podem demonstrar a especificidade de cada um deles, contudo não tiram de nenhum deles a dimensão essencial: o serviço. Fora desta dimensão, não existe ministério, considerado no rigor de seus primeiros conceitos. Existe, sim, um ministro equivocado, atuando fora da ótica de Deus e dos ensinamentos da Igreja.
Data do artigo: outubro de 2008