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Vida eucarística (breve reflexão)

01/07/2011

Diácono Juranir Rossatti Machado

Dentro de nosso contexto específico de formação católica, vida eucarística é tema sempre oportuno em qualquer ocasião. Se quisermos crescer na espiritualidade eucarística, precisamos colocar-nos assiduamente diante deste grandiosíssimo Mistério da Fé e extrair dele ensinamentos de suas inesgotáveis lições. Eucaristia é fonte perene de mensagens. Motiva-nos o desejo de partilhar algumas ideias!

No Documento de Aparecida, os Bispos nos asseguram: “A Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cristo. Com este Sacramento, Jesus nos atrai para si e nos faz entrar em seu dinamismo em relação a Deus e ao próximo” (251). Estas palavras colocam para nós precioso discernimento: na Eucaristia, recebe-se uma pessoa e ela, em virtude do Espírito que a anima, exerce forte atração sobre nós, sempre na linha do convite amoroso a uma transformação de vida. Nessa pessoa, há duas naturezas: humana e divina. Nela, recebemos o mistério da humanidade de Deus e recebemos o próprio Deus; por isso, dela nos vem a atração que nos direciona para Deus e, envolvidos por esse dinamismo, somos encaminhados em direção à humanidade.

A Eucaristia não é abertura para Deus apenas, mas também para a humanidade. Coração fechado para os homens e mulheres é coração fechado a Deus. Não podemos pensar diferente! A divindade está presente na natureza divina de Jesus, não como algo que reveste sua humanidade. Não. Ele mesmo é Deus Uno e Trino. Cada homem e cada mulher se encontram no Mistério da Encarnação! Encontrar-se com Deus na Eucaristia é encontrar-se com cada pessoa humana! Os desencontros existentes nas relações humanas abalam a vida eucarística, por mais verdadeira que possa parecer-se aos nossos olhos! A Eucaristia não é uma ideia, não é símbolo, mas realidade (ICor 11, 27-28). É necessário que se frise com fervorosa frequência e firme discernimento: na Eucaristia, antes e acima de tudo, recebe-se a pessoa de Jesus Cristo e, nela, toda a sua mensagem, sem excluir um ponto sequer; o seu projeto de vida, por mais difícil ou impossível que possa ser algum aspecto; a causa defendida por ele, mesmo que contrariem os interesses da civilização dos homens; enfim, o seu Mistério Pascal, que é sempre passagem à comunhão com Deus e com a humanidade! Podemos dizer que a Eucaristia é ponto de chegada e ponto de partida: ponto de profundo encontro com Cristo e, renovados em Cristo, é ponto de partida para o grande encontro com a humanidade, levando-lhe o impulso missionário; pois, nela, a Eucaristia, “o Espírito Santo fortalece a identidade do discípulo e desperta nele a decidida vontade de anunciar com audácia aos demais o que tem escutado e vivido” (DA, 251).

A unidade e identificação com Cristo constituem as bases da vida eucarística. A vida eucarística deve ser reflexo da unidade entre Cristo e seu seguidor e profunda identificação com seu projeto de salvação de todo o gênero humano. Em Cristo, cada homem e cada mulher são pessoas muito especiais, porque têm em Deus sua origem e fazem parte de seu plano amoroso de comunhão da humanidade com a Santíssima Trindade (Gn 1, 26-27). Neste ponto, recordemo-nos das palavras de Cristo: “Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um: Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade, e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim” (Jo 17, 22-23). Todos fomos chamados à filiação divina através da unidade e identificação com o Filho, o que nos deve conduzir a uma vida santa e irrepreensível aos olhos de Deus (Ef 1, 3-6). A Eucaristia é o caminho por excelência da unidade e identidade com Cristo, pois assumindo sua Carne e seu Sangue nós nos tornamos um só e assumimos sua própria missão no mundo. Sem a profunda comunhão com Cristo, fazendo-nos um só com ele, não existe vida eucarística. Simplesmente, não nos tornamos seus instrumentos, não nos tornamos Cristo, e fora dessa autêntica adesão a ele, o próprio ato da comunhão eucarística, comunhão em seu Corpo e Sangue, pode tornar-se momento de condenação. É o que diz Paulo: “...todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpável do Corpo e do Sangue do Senhor. (...) Aquele que o come e o bebe sem distinguir o Corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação” (ICor 11, 27-28). Depois dessas palavra, ainda dentro da linha do não discernimento do Corpo e Sangue do Senhor, o Apóstolo traz-nos a revelação: “Esta é a razão por que entre vós há muitos adoentados e fracos e muitos mortos” (ICor 11, 30). São palavras que precisam ser colocadas dentro do contexto original; porém não deixar ser palavras de forte exortação a favor do respeito à Eucaristia, que deve ser sempre a marca maior de nossa unidade e identificação com Cristo!

A vida eucarística não é intimismo. Ela não é voltada para nós mesmos. Não significa isolar-nos dos problemas que atingem a humanidade em geral e a cada pessoa em particular. Vida eucarística é incessante convite a tornar-nos próximo do outro e assumir a atitude do bom samaritano. A vida eucarística, dinamizada pela fidelidade, tem o dom de nos transformar em Cristo, não para nós mesmos, mas para o outro. Cristo não viveu para si, mas para o próximo. São para nós estas palavras do Evangelho, referindo-se à pratica de Jesus e a seu pedido: “Vendo a multidão, ficou tomado de compaixão, porque estavam enfraquecidos e abatidos como ovelhas sem pastor. Disse, então, aos seus discípulos: “A messe é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua messe.” (Mt 9, 36-37)”. Se ainda não adquirimos a sensibilidade para olharmos a multidão, como Cristo a olhou, não estamos tendo vida eucarística. A Eucaristia, recebida dentro da dimensão da caridade, não nos lança em nenhum processo de alienação e não nos coloca no campo da simples devoção particular, como se mais nada existisse ao nosso redor. Coloca-nos, sim, dentro de compromissos ditados pelo amor, pela justiça e pela solidariedade. São e serão sempre louváveis estas palavras do Papa João Paulo II, publicadas em Ecclesia de Eucharistia, 20: “Anunciar a morte do Senhor “até que ele venha” (ICor 11, 26) inclui, para os que participam na Eucaristia, o compromisso de transformarem a vida, de tal forma que esta se torne, de certo modo, toda “eucarística”. São precisamente este fruto de transfiguração da existência e o empenho de transformar o mundo segundo o Evangelho que fazem brilhar a tensão escatológica da celebração e de toda a vida cristã: “Vinde, Senhor Jesus!” (cf. Ap 22, 20).” A vida eucarística é abertura ao hoje da humanidade e à esperança, enquanto “aguardamos a vinda do Cristo Salvador”, como dizemos na Celebração da Missa, após a oração do Pai Nosso.

Nesta breve reflexão, estamos nas últimas palavras. Apenas, dois momentos antes de nosso ponto final. No primeiro momento, recordamos a confissão contida no texto do 14o Congresso Eucarístico Nacional, Eucaristia: Fonte da Missão e Vida Solidária, publicado em 2001: “O sonho maior de Jesus era de que o mundo fosse, também, um mundo eucarístico. Partindo desse sonho-projeto, Jesus constituiu uma comunidade de discípulos e discípulas, começou a construir uma comunidade eucarística.” Fazemos parte desse sonho de Jesus. Agora, finalizando, tendo a certeza absoluta de que não falamos tudo (isto é imposível!), lembramos que vida eucarística não é estagnação. Exige constante revisão de vida e deve refletir-se na realização de obras a favor da implantação do Reino de Deus, passando, necessariamente, pelas atividades em prol do crescimento e da valorização da pessoa humana. Exatamente como Jesus fez! O mundo está à espera dos operários de Deus! Dos construtores de seu Reino! De homens e mulheres eucarísticos!

Diác. Juranir é membro da ENAP-Equipe Nacional de Assessoria Pedagógica da CND.

Data do artigo: julho de 2011