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Vocês não devem servir a Deus e ao dinheiro. Mt 6,24

01/11/2008

Diácono Tupinan Dantas Costa (*)

Arquidiocese de São Salvador da Bahia

A Campanha da Fraternidade (CF-2010) dessa quaresma - Ecumênica: Economia e Vida: "vocês não devem servir a Deus e ao dinheiro" Mt 6,24-, é provocadora, em várias questões da vida religiosa e social! São muitas as possibilidades de conversas, tanto para o interior da comunidade de fé quanto para a vida social. Para as comunidades que vivem a preparação para a páscoa inspiradas pelo desejo de fazer desse tempo uma disposição à reflexão e à solidariedade, o caminho esse ano poderá ser mais instigante! O lema da CF-2010 não deixa dúvida quanto ao problema sócio-religioso a ser discutido pelos fiéis em todo o Brasil: a fé enquanto negócio e o servir por dinheiro!

Porem, a característica de ser Ecumênica, ou seja, de ser promovida, também, por outras igrejas cristãs fará com que tantos outros aspectos da vida econômica e social prevaleçam nos debates. Ainda é a terceira realizada em sua história, com o caráter ecumênico, depois de quase cinqüenta anos. O tema reflete a coerência com os objetivos que a fizeram surgir, lá no interior do semi-árido nordestino, o seco e quente Rio Grande do Norte de 1961, dependente de recursos financeiros para enfrentar a escassez de recursos naturais necessários para sustentar a existência da vida digna, principalmente a vida sertaneja desse Brasil desigual.

Na história, a CF está prestes a completar meio século de convocação dos membros da igreja no despertar para a vida na fraternidade, na promoção humana, na justiça social e no exercício da solidariedade. Nesse período, suas atividades e propósitos têm convivido com as constantes contradições da razão de sua existência e, a desse ano não é diferente. Pensada, idealizada e realizada para ser um espaço de evangelização tem-se se confrontado com os propósitos de tornar-se um espaço de missão. Há diferenças consubstanciais entre esses dois métodos de difusão da fé. Mas não é apenas isso que desperta para as suas questões provocadoras.

Primeiro, é preciso ater-se a esse caráter ecumênico e olhar o caminho percorrido desde as duas anteriores até aqui. Não há duvida que a ação ecumênica seja um passo inicial para o reconhecimento da importância de cada comunidade de fé cristã e o exercício da fraternidade na construção de uma sociedade cada vez mais humanizada. Trabalhando juntas para realizar uma convicção social, inspiradas pelas suas doutrinas, significa, no campo do amplo diálogo ecumênico, romper obstáculos que sustentam a competição histórica, em nome da salvação, e reduzir a distancia que separam as diversas denominações cristãs.

Aqui então aparece a primeira provocação intuída na CF-2010. Pelo visto, há certa indisposição para expansão das relações ecumênicas, não só na realização dessa CF-2010, e uma sutil disposição para configurar distintas éticas eclesiais. É sabido que sua constituição histórica corresponde a participação de igrejas cristãs protestantes tradicionais (reduzidas esse ano a apenas cinco igrejas mais a católica) e que o universo cristão, aqui no Brasil, é multiforme, tendo maior destaque os pentecostais, neo-pentecostais e evangélicos, que os protestantes tradicionais. Nesses dez anos de vivencia e com duas campanhas já realizadas, não houve avanço na constituição do grupo ecumênico já que nenhuma representação dos grupos modernos compõe as igrejas que inspiram a CF-2010.

Portanto, assim nos parece, essas igrejas são possíveis de tornarem-se o centro dos debates, por um motivo peculiar: pelo lema escolhido, "vocês não devem servir a Deus e ao dinheiro" serão inevitáveis as considerações éticas a respeito das opções e práticas daquelas igrejas, enquanto organização social inserida no mundo econômico e financeiro. Logicamente que suas investiduras mercadológicas serão debatidas e que o crescimento acelerado de seus rebanhos e a representatividade social adquirida nesses últimos tempos terá repercussão nos colóquios. O povo irá debruçar-se sobre isso! Por esse aspecto, a CF que conquistou um espaço de respeito e estima poderá tornar-se um evento incomum, progressivamente, não aproximando esses segmentos cristãos, conforme o desejo ecumênico, visando àquela expansão da interação fraternal das igrejas cristãs no Brasil, necessário para a realização de próximas campanhas ecumênica, com tom cada vez mais desafiador, no campo da superação das desigualdades sociais.

Outra relação provocadora poderá ser dirigida ao ano sacerdotal, vivido ainda nesse momento no âmbito católico, e que encontra inspiração no seu lema. A igreja, como comunidade sacerdotal que entra na história para cuidar das graças de Deus, devem estar para servir ao mais supremo bem divino, que é a vida. Todas as campanhas realizadas até aqui anunciaram essa boa nova. E o serviço a vida é o aspecto que torna todo e qualquer exercício ministerial, sagrado e amado pelo povo. E sacerdócio não se coaduna com negócio, assim pensa os crentes fiéis e o povo devoto que elevou à condição de autoridade respeitada e querida o Senhor Sacerdote Padre Pastor. Aqui reside a segunda provocação: que relação podemos encontrar, na atualidade, entre o ministério do sacerdócio e o mundo dos negócios? Há compatibilidade? Que significado o valor emprega ao exercício ministerial sacerdotal?

Para uma reflexão relacionada com esse aspecto é bom que recordemos as origens da campanha da fraternidade. Os dois sacerdotes que iniciaram a CF tinham a preocupação de levar a misericórdia divina aos que se encontrava em condições de indignidade humana. Estavam imbuídos do serviço sócio-transformador, da restauração e da promoção da vida. Queriam evangelizar pelo servir. Conduzir o povo a encontrar-se com Deus pelo testemunho da generosidade, da gratuidade e da participação na construção da vida plena e abundante. Faziam do seu exercício ministerial um sacerdócio e davam testemunho através da compaixão cristã anunciada por Jesus Cristo. Mobilizaram suas comunidades, a hierarquia e toda a Igreja. Interferiram na história pelo servir com o povo, pelo povo e para o povo. Re-significaram as relações da fé cristã católica no Brasil com o seu povo, através do servir sócio-transformador. Em seus propósitos priorizaram os planos de Deus para todo ser humano, de forma caridosa e desinteressados de proselitismos e integrismos e, assim, testemunharam a importância da fé como serviço à humanidade, na defesa e promoção da vida. A campanha da fraternidade, como processo evangelizador, tem esse caminho definido na construção da fraternidade e da vida plena para o povo brasileiro.

Sabemos que, pela expressão do tema e o direcionamento que o texto de Mateus poderá imprimir as reflexões conduzirão conclusões puramente para os aspectos econômicos. Não é isso que o contexto do texto provoca. O texto, como boa nova e recurso teológico, não pode estar dissociado do propósito que levou o Mestre a pronunciar ensinamento tão perturbador, primeiro para os seus seguidores diretos e, simultaneamente, a posteriori, para a multidão que deseja segui-Lo. Não é preciso alertar que as provocações de Jesus refere-se às estruturas do templo, especificamente ao papel exercido por suas autoridades, no trato com o sagrado devotado pelo povo. É um ensinamento universal, mas, específico para o campo da fé e sua organização social. Jesus quis evangelizar primeiro os seus! Aqueles imbuídos da responsabilidade de co-anunciar a boa nova. A proposta de Jesus é de promover uma inversão de prioridade na prática religiosa do seu tempo. O evangelizar proposto passa, então, por um chamado à conversão através da mudança de atitudes e o serviço ao Pai e ao Reino encontra incompatibilidade com a riqueza, o acúmulo e o valor.

Ademais, quanto às questões previsíveis de debates superficiais, como o consumo, a financeirização das relações econômicas e a desmedida na distribuição da riqueza do país, merecem considerações, mas não podem ser o centro das iniciativas concretas como gesto concreto para essa campanha. O que importa agora é compreender como se encontram as relações da fé, no campo dos negócios, e provocar aquela conversão necessária que fortaleça a comunidade religiosa, para o exercício do sacerdócio eterno nos valores do Reino e a devoção à confiança e graça do amor de Deus.

Data do artigo: novembro de 2008